domingo, 28 de dezembro de 2008

Yakuy Tupinambá - um exemplo a ser seguido

Yakuy,

A quem ouso chamar de irmã, mesmo sabendo que um longo caminho te coloca à frente de mim.  Estava hoje vendo suas fotos no Orkut e me emocionei.  Ando um pouco mais sensível do que o normal nesses dias e, talvez também influenciada pelo livro da outra irmã Liana Utinguassú, resolvi te escrever o que me ia na alma.  Você sabe o quanto te admiro não é de hoje, portanto também sabe que as minhas palavras são verdadeiras.

Eu ando um pouco triste com algumas facetas desse nosso Movimento Indígena. Vejo índios querendo ser brancos. Querendo fama, notoriedade (e dinheiro) só para si, ao melhor estilo capitalista, usando as suas raízes como meio de conseguí-los.  Quando concitamos a ajuda desses índios, exatamente pela exposição que têm na mídia, pela fama de seu nome, eles declinam. Falam nos Povos da Terra como uma homenagem aos ancestrais que ficaram longe na história, mas não se envolvem com questões práticas vividas pelas comunidades de hoje. Dadas as dificuldades por que passam, entendo essa posição, embora ache falta de maturidade, pois o brilho de uma pessoa é facilmente apagado, mas o brilho de um povo permanece sempre.

E isso contrasta com pessoas como você. Mulher, guerreira, esposa, mãe, avó, que cuidou de sua família e ainda encontrou forças para voltar a estudar para defender o seu povo e hoje representá-lo nas terras dos invasores.  Você é um exemplo a ser seguido. Por isso copio aqui também a lista de Literatura Indígena e a Heitor Kaiová Karaí Awa-ruvitxa para que ele poste este comentário também em sua lista.

Te desejo um Ano Novo pleno de realizações. Que você tenha muitas conquistas nas suas empreitadas, nos seus ideais. Te desejo também muita saúde para viver tudo isso e muita paz e tranqüilidade na vida pessoal.

Yakuy, minha irmã, você é o meu exemplo.

Beijos no coração.

Ana Kristina

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Escolas de Santa Catarina vão receber livros em guarani em 2009

Escolas de Santa Catarina vão receber livros em guarani em 2009

Mais de 420 mil estudantes devem tomar contato com a cultura indígena.
1.323 instituições receberão o material didático.

Do G1, em São Paulo


Capa do livro de guarani (Foto: Reprodução/0svaldo Nocetti)

As escolas da rede estadual de Santa Catarina vão receber em 2009 livros ilustrados e escritos em guarani e português. Ao todo, 1.323 instituições vão levar o material para suas bibliotecas. Também ganham as obras cerca de 3 mil estudantes de 31 unidades escolares das etnias guarani, xokleng e kaigang.

Segundo a Secretaria da Educação do estado, o livro foi produzido por professores durante uma das etapas de um curso de formação guarani. A intenção é ajudar o trabalho pedagógico dos educadores do ensino fundamental. Cerca de 420 mil estudantes poderão ter acesso à cultura indígena.

O livro tem o nome de "Mbya Reko", que quer dizer "Vida Guarani", e vai ajudar o professor a planejar as aulas, criando jogos, teatro, música e até mesmo atividades virtuais. O material traz também entrevistas com caciques e outros integrantes das aldeias, construção de mapas e comparações entre as culturas.

Entre as temáticas se destacam: arte, música e dança; relação com a natureza; espiritualidade; história do povo guarani; rituais e crenças; alimentos e ervas medicinais; territorialidade e o mundo na visão do povo guarani.

 

Foto: Reprodução/0svaldo Nocetti

Ilustração no livro de guarani (Foto: Reprodução/0svaldo Nocetti)

"Conhecer o modo de ser da cultura guarani, estabelecer relações da forma de vida entre esse povo e o branco; perceber a presença indígena no passado, presente e futuro, também são objetivos do material didático", afirma o diretor de Educação Básica de Santa Catarina, Antônio Elízio Pazeto. Ele explica que o material didático elaborado pelos professores Guarani de Santa Catarina segue as diretrizes do Ministério da Educação (MEC).

A publicação é da Secretaria da Educação e pela Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Mentiras e verdades sobre Raposa Serra do Sol

Excelente artigo!!!
 
Paz a todos,
Ana Kristina
 
 

Enviado por Rodrigo Taves -
9/12/2008
12:42

Mentiras e verdades sobre Raposa Serra do Sol

 

Rodrigo Taves

Com o conhecimento de causa de quem já esteve algumas vezes em Raposa Serra do Sol e conhece bem a geografia do conflito, posso afirmar algumas coisas a vocês: alguns argumentos usados no debate não passam de mentiras, falácias, empregadas até por autoridades e pessoas importantes no estado _ como o governador José de Anchieta Júnior, um defensor intransigente dos arrozeiros _ com o exclusivo intuito de enganar quem não conhece de perto o que está em jogo.

A mentira mais grave é a de que a expulsão dos fazendeiros que produzem arroz nas terras indígenas e a destinação de toda a área da reserva exclusivamente aos índios acarretaria algum problema de segurança nacional, por ser aquela uma área de fronteira com Venezuela e Guiana.

1) A área de fronteira já é (e sempre foi) ocupada pelos índios em Raposa Serra do Sol. Os arrozeiros estão do outro lado da reserva, mais próximos à capital, Boa Vista, ocupando ilegalmente as margens dos rios da reserva, de onde tiram (sem licença ambiental) a água que irriga suas plantações. A área da reserva é imensa. Os arrozeiros não estão nem aí para o que acontece na fronteira.

2) O fato de a reserva pertencer apenas aos índios (com a consequente expulsão dos arrozeiros) não muda em nada a situação jurídica da região: a terra continua sendo da União e os militares das Forças Armadas têm acesso irrestrito a elas em qualquer momento, em qualquer situação. Problemas na fronteira, se existem, são causados pela irrisória presença de efetivo militar nos postos e pelotões de fronteira, e no fato de esses postos existirem em muito menor número do que o necessário para vigiar todos os pontos de acesso ao território nacional pela imensa fronteira seca do país.

3) Os índios yanomâmi ocupam _ há dezenas de anos, saibam _ uma área muito maior (mas muito maior mesmo) que Raposa Serra do Sol, no lado oeste do estado, exatamente na faixa de fronteira com a Venezuela. A situação dos yanomâmi está consolidada há anos e lá não se vê generais do Exército reclamarem do risco à soberania nacional. E sabem por que? Porque lá os arrozeiros nunca tiveram interessem em se fixar, por ser uma região mais inóspita, sem grandes e caudalosos rios dos quais eles possam tirar água para irrigar suas plantações.

4) A área dos yanomâmis (assim como Raposa Serra do Sol e outras áreas índigenas na fronteira, tanto em Roraima quanto no Amazonas e em Rondônia) tem postos de fronteira do Exército, e só não tem mais porque o Exército não quer (ou não pode). A convivência entre índios e militares é tranqüila e pacífica em toda a faixa de fronteira da Amazônia, exceto pelos momentos em que alguns soldados e sargentos cometeram violências sexuais contra as indiazinhas que vivem perto dos pelotões. Ou seja, nos momentos em que ocorreram problemas, os índios eram sempre vítimas, nunca agiram para prejudicar a segurança nacional. Para os que não conhecem, posso afirmar: os índios são pobres, miseráveis, tão indefesos quanto os pobres brancos, mulatos e negros que habitam nossas favelas na cidade grande. A área dos yanomâmi entra pelo território venezuelano a dentro, e a convivência é tranqüila. Não há índios acusados de tráfico de drogas ou de armas. São os traficantes que passam pelo território deles _ com o conhecimento das Forças Armadas e da PF, que não têm dinheiro para montar a infra-estrutura necessária para coibir os crimes. Os índios não têm culpa disso, e sofrem vendo alguns de seus integrantes serem aliciados para os crimes, assim como os brancos são em todas as grandes cidades do país.

 A segunda grande mentira é a de que há divisão entre os índios sobre se querem a demarcação em área contínua ou em ilhas (em outras palavras, mais claras para quem tenta entender o problema de longe: se deixam os arrozeiros na área ou se eles saem).  Mais uma vez, posso afirmar com o conhecimento de quem rodou toda a reserva sozinho, observando e conversando com todos: em Raposa Serra do Sol há uma imensa maioria de índios minimamente organizados pelo CIR (Conselho Indigenista de Roraima) e uma pequena parte dos índios claramente influenciada pelo poder econônico dos arrozeiros. Muitos desses que são contra a expulsão dos arrozeiros trabalham ou já trabalharam em suas enormes fazendas, foram assalariados, sustentados pelos arrozeiros, e têm promessas de voltar a se-lo, se as fazendas de arroz puderem permanecer na região.

Mais uma vez, insisto: só o que está em jogo em Raposa é se os grandes arrozeiros podem ficar na área ou se serão expulsos. São grandes fazendeiros numa área de índios pobres, que vivem de sua agricultura de subsistência. Um dia já houve grandes áreas de garimpo na reserva (como, de resto, em outras áreas da Amazônia), mas a produção era controlada por brancos, que enriqueceram e empobreceram na reserva.  Os índios entram nessa história como coadjuvantes, quase sempre aliciados para fazer o trabalho pesado para arrozeiros, garimpeiros e outros interessados na exploração econômica da reserva.

Neste ponto, entra a terceira mentira da história: a de que há grupos estrangeiros interessados em ocupar o território da reserva para explorar as nossas riquezas mineirais, o petróleo, o ouro e os diamantes que possa haver naquelas terras. Gente, a propriedade é demarcada e homologada para uso exclusivo dos índios, mas continua sendo da União. Só pode entrar na área e explorar a área, além dos índios, quem o governo brasileiro autorizar. Quem entrar lá sem autorização precisa ser expulso, e o Brasil continuará tendo autonomia para isso. Repito: o Exército só não expulsa hoje, só permite garimpos ilegais, tráfico de drogas, presença de guerrilheiros das Farc e outros crimes porque não tem estrutura para coibir _ e isso não tem nada a ver com os índios, e sim com as dificuldades e incompetências do próprio país.

A questão de fundo é apenas uma: o governo, num determinado momento da história (trinta, quarenta, cinquenta anos atrás), permitiu que brancos se arvorassem donos de terras da União dentro de uma área habitada apenas por índios. Os brancos foram se aventurar nessas regiões distantes porque viam nas áreas potencial para exploração comercial. No caso de Raposa, viam os rios de onde podiam tirar a água e os campos férteis para as grandes produções de arroz. Há outras regiões do país _ dentro ou fora de áreas índígenas, é bom que se diga _ que latifundiários brancos grilaram, ocuparam, dominaram, sob o poder das armas ou em conluio com donos de cartório inescrupulosos. Ou alguém desconhece os problemas de pistolagem e grilagem de terras no Pará, em Mato Grosso, no Tocantins, no Maranhão...

Pois bem, a questão é apenas esta: esses brancos que se arvoraram donos de terras da União (dentro de Raposa Serra do Sol ou fora de lá) têm direito constituído porque seus crimes foram cometidos há trinta ou cinquenta anos? Se têm, que os arrozeiros permaneçam na área indígena de Raposa Serra do Sol. É verdade que eles produzem imensas quantidades de arroz, e que, num estado pobre como Roraima, essa riqueza faz diferença. E é só por isso _ repito, mais uma vez: apenas por motivos econômicos _ que eles têm o apoio da elite do estado, do governador, dos deputados e dos empresários. É fato que a produção de arroz responde por 6% do PIB do estado.  Mas a questão é: a produção é tirada de uma terra grilada ou ocupada irregularmente por brancos no passado. Se os arrozeiros saírem, as terras voltam na íntegra às mãos dos índios, que continuarão com sua vida tranqüila, solitária e miserável, com sua agricultura de subsistência, com sua desimportância econômica, pelo menos sob a ótica comercial dos brancos. O PIB de Roraima de fato vai encolher. Mas é isso que as autoridades de Roraima têm de falar às claras, têm de botar no centro do debate, e não ficar falando de ameaça à soberania nacional, ora bolas!

Vale a pena fazer vistas grossas à grilagem, à pistolagem, à ocupação irregular de terras públicas em nome do desenvolvimento econômico, da produção estabelecida, do fortalecimento econômico? Ou é melhor perder 6% do PIB do estado mas manter a ordem, a legalidade, reparar as injustiças e as irregularidades do passado. É isso que está em jogo com a decisão de amanhã do STF. Não caiam nesse argumento de ameaças à soberania nacional, de problemas para a segurança de nossas fronteiras e outras baboseiras como essas, faladas com o único intuito de ludribiar a boa fé de quem não conhece a questão de perto. Nada disso é verdade.

E outra coisa: para os que acham que é possível, para o futuro, encontrar uma forma de convivência pacífica entre índios e arrozeiros em Raposa Serra do Sol, posso garantir que não é. As tropas da PF e do Exército podem manter a paz por um mês, seis meses, um ano. Quando os soldados forem embora,  índios e arrozeiros vão voltar às vias de fato. Os episódios de violência do passado _ recente e remoto _ deixaram marcas (mágoas, ódios, ressentimentos) que jamais serão apagadas. A convivência é absolutamente impossível. A paz só voltará em Raposa Serra do Sol quando os arrozeiros _ todos eles gaúchos, paranaenses, de outros estados _  estiverem bem longe dali. Não se descarta um ato de vingança, é claro, mas o interesse daqueles homens nas terras é apenas econômico. Se forem expulsos de uma área que nunca foi deles, partirão para encontrar outras terras que possam grilar ou comprar baratinho, com o objetivo de retomar a produção. A vingaça passaria a ser único motivo para eles voltarem ao nordeste de Roraima. Só assim Raposa Serra do Sol talvez venha a ter paz.

Por isso, peço aos ministros do STF: façam o que têm de ser feito agora, sigam o relatório do ministro Ayres Britto, que foi primoroso em seus argumentos jurídicos. Tomem agora a decisão mais dura e radical de retirar os poderosos produtores de arroz para tentar resolver os problemas em Raposa Serra do Sol de uma vez por todas, sem criar inúmeros outros problemas em terras indígenas espalhadas por todo o território nacional. Lembrem que problemas iguais ou parecidos com esses foram vividos em outras reservas indígenas, de outros estados, e elas sempre foram demarcadas de forma contínua, criando uma situação de fato que impediu o recrudescimento da violência. Uma coisa é certa: se o STF não determinar a saída dos arrozeiros, Raposa Serra do Sol será uma reserva destinada a jamais conhecer a paz. 

 

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Nota da Conectas Direitos Humanos sobre a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Na primeira sessão do julgamento da Petição 3888 sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal, ocorrida em 27 de agosto de 2008, o Ministro relator da ação, Carlos Ayres Britto, em seu voto, levantou o debate sobre a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em setembro de 2007 pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU. O julgamento da ação foi suspenso devido ao pedido de vista dos autos formulado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito que, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo em 29 de agosto, poderá utilizar a Declaração da ONU para contestar a forma de demarcação contínua das terras indígenas.

O principal ponto da polêmica instaurada em relação à Declaração da ONU é que esta possibilitaria a criação de “uma nação indígena soberana dentro dos Estados signatários”. Não obstante, uma leitura integral do texto da Declaração e uma interpretação dentro do contexto de sua elaboração afastam esta interpretação equivocada. Além disso, não é demais lembrar que a Declaração da ONU, por não ser tratado, não possui caráter cogente e, de forma alguma, poderia modificar a Constituição brasileira.

A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas tem a característica peculiar de ter contado com a participação efetiva dos detentores dos direitos - os povos indígenas - em sua elaboração, cujo processo levou mais de 25 anos. Foi finalmente aprovada na Assembléia Geral da ONU em 13 de setembro de 2007, tendo 143 países votado a favor da Declaração, entre eles o Brasil, 4 contra e 11 abstenções.

Durante o processo de elaboração da Declaração, alguns pontos sensíveis foram levantados, entre os quais a questão da autodeterminação dos povos indígenas. Assim, especial esforço foi realizado pelas partes envolvidas para atingir um consenso em relação às questões controvertidas.

Especialmente no que se refere à autodeterminação, o texto final adotado pela ONU esclarece ser o direito à autodeterminação compatível com o princípio da integridade territorial e com a unidade nacional, não podendo este direito ser interpretado no sentido de permitir a secessão dos povos indígenas de seus países de residência, dos quais são nacionais. O texto da Declaração é expresso neste sentido:

Artigo 461. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no sentido de conferir a um Estado, povo, grupo ou pessoa qualquer direito de participar de uma atividade ou de realizar um ato contrário à Carta das Nações Unidas ou será entendido no sentido de autorizar ou de fomentar qualquer ação direcionada a desmembrar ou a reduzir, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes. (grifo nosso)

Diversos países fizeram declaração de voto após a adoção da Declaração pela Assembléia Geral, explicitando em suas declarações que votaram em favor da aprovação do documento, uma vez que o texto final esclareceu a questão da autodeterminação anteriormente levantada como um problema por diversos Estados. Em sua declaração de voto, o Brasil ressaltou que o exercício dos direitos dos povos indígenas é consistente com a soberania e a integridade territorial do Estado em que eles residem.

Desta forma, o direito à autodeterminação deve ser interpretado como um direito à autonomia e autogoverno em relação a temas que dizem respeito a assuntos locais e internos das terras indígenas – como disposto no artigo 4 da Declaração. Interpretar este direito como uma possibilidade de criação de uma “nação autônoma dentro do Brasil”, significa desconsiderar 25 anos de árduo processo de negociação e elaboração da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, cujo texto final foi aprovado na Assembléia Geral após amplo debate no sentido de que o direito à autodeterminação não pode ser interpretado contra a soberania e integridade territorial dos Estados.

Pior, utilizar esta interpretação equivocada contra o direito de demarcação das terras indígenas de forma contínua significaria, além de um enorme retrocesso, uma grave violação dos direitos humanos dos índios, na medida em que a continuidade territorial é essencial para a preservação de sua cultura, organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, conforme estabelece não apenas a Declaração da ONU, mas também a nossa Constituição Federal.

Oscar Vilhena Vieira, Diretor Jurídico
Marcela Cristina Fogaça Vieira, advogada


Data de publicação:
28/10/2008
Fonte:
Conectas Direitos Humanos

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Roraima - Ìndios querem terra de volta





 

 

Segunda, 8 de dezembro de 2008, 10h42

RR: vamos tomar nossa terra de volta, diz Conselho Indígena

Cyneida Correia
Direto de Boa Vista

O Coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza, afirmou que os indígenas podem acampar onde quiserem dentro da Raposa Serra do Sol. O produtor de arroz e prefeito derrotado de Pacaraima, Paulo César Quartieiro, deu uma entrevista afirmando que se eles entrassem em sua propriedade seriam recebidos "a bala". "A terra é nossa. Eu vou estar na Raposa assistindo o julgamento. Será demarcado em área contínua e a Polícia Federal vai logo tirar ele de lá e nós vamos ocupar nossa terra imediatamente porque já esperamos demais", disse.

» Tensão cresce antes de decisão do STF
» Relator sugere demarcação contínua
» Exército poderá mediar conflito

Para Dionito, a lei e a autoridade estão do lado dos índios. "A terra é nossa, demarcada, homologada e registrada. Ele invadiu nossa terra e nós vamos tomar de volta, pois estamos na nossa casa. Já esperamos muito", declarou, não descartando a possibilidade de invasão da fazenda.

Mais de 300 índios se reuniram em frente à fazenda Depósito, pertencente a Quartiero. A denúncia foi feita pelo arrozeiro na manhã de sábado. Ele vai assistir ao julgamento da Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal (STF), que acontece no dia 10, a convite da Associação de Agricultores do Mato Grosso.

"Estamos na expectativa desse julgamento. Eu fui convocado pela Associação de Produtores Rurais, porque dependendo do resultado vamos montar estratégias para continuar a luta. O consenso é que vamos reagir", explicou.

Quartiero afirmou que, se os indígenas tentarem entrar em sua fazenda, vão sofrer as conseqüências. "Eu estive na Polícia Federal e comuniquei que eles estão se amontoando em frente a minha fazenda e no Surumu. Eu comuniquei que já autorizei meu pessoal que se tentarem invadir serão recebidos a bala", disse.

Para o agricultor, os índios se organizaram porque pretendem invadir e queimar toda a fazenda se o Supremo mantiver a decretação da área indígena em contínua.

"Se tentarem invadir minha propriedade, serão rechaçados. Não posso impedir que queimem e quebrem tudo, mas com certeza essa invasão vai sair muito cara para eles", disse.

(Reportagem tirada do Portal Terra)


segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Realidade dos kaiowás é pior do que a ficção


Eu havia postado essa notícia como comentário, mas agora localizei as imagens registradas pelo Toninho Viegas, repórter cinematográfico do Correio do Estado (MS) que corrobora na opinião do jornalista.



Realidade dos kaiowás é pior do que a ficção

"Uma das maiores forças do filme 'Terra Vermelha', de Marco Bechis, é fazerum retrato ficcional da situação dos kaiowás sem quase nada exagerar ouexcluir da realidade. Bechis nos deu suicídios, a tragédia pela qual oskaiowás eram mais conhecidos até pouco tempo atrás. Mas poupou-nos deoutras cenas chocantes do cotidiano do grupo, como a de índios revirando olixão de Dourados e a das mortes de dezenas de bebês por desnutrição. Quemdiz que há muita terra para pouco índio no Brasil deveria passear pelo sulde MS, onde um território tradicional de mais de 6 milhões de hectares foiretalhado em 'ilhas' com no máximo algumas centenas de hectares cada uma.Nelas espremem-se 30 mil índios de dois grupos guaranis (kaiowás eñandevas). Resta aos kaiowás venderem sua força de trabalho comobóias-frias, empregadas domésticas ou peões de fazenda".

artigo de Claudio Angelo - FSP, 28/11, Ilustrada, p.E6.




Infecção por HIV atinge índios no país

ATENÇÃO - o assunto é muito sério.  Essa informação precisa ser disseminada entre as lideranças para que cada líder possa acompanhar isso mais de perto.
 
Ao receber o Prêmio Nobel de Medicina deste ano por ser um dos responsáveis pelo isolamento do vírus das Aids, o pesquisador francês Luc Montagnier chamou a atenção para a questão da disseminação da doença entre os índios brasileiros. Segundo o cientista, o programa brasileiro de combate a Aids é muito bom, mas não alcançaria as pessoas "fora do circuito", ou seja, grupos como os índios. A Funasa garante que, dos cerca de 500 mil índios do país, menos de 200 seriam soropositivos. Segundo a Funasa, todos os portadores do vírus HIV identificados entre os índios brasileiros recebem o mesmo tratamento dispensado ao restante da população - O Globo, 30/11, Ciência, p.45.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Índios acusam militares de tortura no Amazonas

27/11/2008 - 09h14
da Folha Online

O Ministério Público Federal do Amazonas investiga denúncias de tortura contra índios praticada por militares brasileiros na fronteira com a Colômbia, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), na terra indígena Alto Rio Negro, informa nesta quinta-feira reportagem de Breno Costa, publicada pela Folha (a íntegra está disponível apenas para assinantes do jornal e do UOL).

Segundo a reportagem, o inquérito civil público foi instaurado no último dia 20 de outubro e apura denúncias de que um grupo de sete militares lotados no 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira) torturou 12 jovens indígenas nas dependências do pelotão, em setembro do ano passado.

A acusação é da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), que representa 23 povos indígenas, e tem como base relatos de índios kuripakos das comunidades São Joaquim e Warirambã, localizadas a 320 km (quatro dias de barco) da área urbana de São Gabriel da Cachoeira.

Outro lado

O CMA (Comando Militar da Amazônia) informou, em nota oficial, que uma sindicância foi instaurada para apurar as denúncias dos indígenas e que, após concluída, a investigação interna não identificou "qualquer ato delituoso por parte de militares" do 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira). A sindicância foi aberta em junho deste ano, segundo o CMA.

No final da nota, assinada pela Seção de Comunicação Social do CMA, o Exército afirma que "caso sejam confirmadas quaisquer denúncias envolvendo militares do Exército, não hesitaremos em colaborar para fazer valer as sanções legais que se fizerem necessárias".

A nota diz que os generais João Carlos de Jesus Corrêa e Ivan Carlos Weber Rosas, respectivamente chefe do Estado Maior do CMA e comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, foram à comunidade São Joaquim e que "foi observado um excelente relacionamento entre a comunidade e os integrantes do 3º PEF".

Leia mais na Folha desta quinta-feira, que já está nas bancas.

Assine a Folha

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Violência contra índios é tema do filme Terra Vermelha

Violência contra índios é tema do filme Terra Vermelha
[24/11/2008 12:19]
 
Em tempos de acirramento da disputa por terras entre fazendeiros e índios Guarani no Mato Grosso do Sul, Terra Vermelha, do diretor ítalo-chileno Marco Bechi, é uma boa surpresa. Foi escolhido para a abrir a 23ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e está previsto para entrar em circuito comercial no dia 28 de novembro, sexta-feira próxima.
 

O filme Terra Vermelha do diretor ítalo-chileno Marco Bechi, se passa na região de Dourados (MS) e retrata, em forma de ficção, o choque de distintas visões de mundo envolvidas na situação de conflito e violência em que vivem indígenas e fazendeiros.

Além dos atores não-índios, Terra Vermelha é protagonizado pelos Guarani e é quase todo falado em sua língua Os indígenas se revelam grandes atores, interpretando com uma naturalidade que impressiona.

A co-produção Itália Brasil traz um olhar distanciado do polêmico conflito entre proprietários rurais e indígenas, conseguindo construir personagens complexos, que escapam de maniqueísmos simplificadores e, assim, encara a questão com suas particularidades e contradições. Outra qualidade de Terra Vermelha é a maneira como consegue adentrar no universo dos Guarani Kaiowá, sem estigmatizar ou tentar formar uma visão romântica do índio. O filme mostra como os Kaiowá mantém seus rituais, suas crenças e uma relação diferenciada com o mundo, apesar de conviverem há tantos anos e de maneira intensa com a cultura ocidental. Apesar de andarem vestidos como brancos e incorporarem alguns de nossos hábitos, se diferenciam por sua concepção peculiar sobre a terra e seus usos, concepção essa que se mantêm, apesar da enorme pressão exercida sobre sua cultura.

Birdwatchers, como é chamado no original em referência aos turistas estrangeiros que viajam para a Amazônia em busca de paisagens, animais e gentes exóticas, aproveita para polemizar esta fantasia, nutrida tanto fora como dentro do Brasil, dos indígenas como seres primitivos. O filme, que chamou a atenção de público e crítica no Festival de Veneza, foi escolhido para abrir a 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e está previsto para entrar em cartaz no dia 28 de novembro.

Terra Vermelha desempenha papel crucial ao chamar atenção para a situação extremamente delicada em que vivem os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Confinados em Terras Indígenas que se tornaram muito pequenas para a quantidade de habitantes que abrigam, enfrentam índices de suicídio e alcoolismo cada vez maiores, o que demonstra a pressão e a falta de perspectiva em que se encontram. Sem terra e vítimas de violência e discriminação intensa, os indígenas apenas sobrevivem das cestas básicas distribuídas pelo governo, pois além de não ter espaço para plantar, os animais que caçavam estão acabando e os rios estão cada vez mais poluídos pelos insumos agrícolas utilizados pelos fazendeiros da região. Muitas vezes, para poderem ter o que comer, aceitam trabalhos em condições precárias, que os obrigam a ficar dias longe da família e os impedem de viver segundo seus costumes tradicionais.

Ao retratar esta realidade tão pouco conhecida pelos brasileiros que vivem nos grandes centros urbanos, o filme permite que o espectador se aproxime um pouco mais da problemática indígena e se sensibilize, ampliando a possibilidade de debate e a reflexão sobre tão complexa situação.

 

ISA, Julia Trujillo Miras Costa e Rogerio Duarte do Pateo.

Literatura indígena: expressão de uma realidade no Flifloresta - Texto de Graça Graúna

Mesa temática: os índios na Amazônia - dominação e reconhecimento
Na floresta de saberes em que nos encontramos, não parece exagero afirmar que somos um pequeno e atrevido grupo de escritores e escritoras em busca de editor e consequentemente em busca de um lugar nas prateleiras de livrarias e desejosos também de habitar a estante de alguma casa deste país ou de qualquer lugar do mundo. Participaram desse encontro em torno da literatura indígena: Daniel Munduruku, Álvaro Tukano, Ely Macuxi, Cristino Peteira Wapixana, Lucio Flores Terena, Yaguarê Yamã, Eliane Potiguara, Manuel Moura Tucano, Kiara Apurina, Carlos Thiago e eu, Graça Graúna. Cabe destacar a apresentação da cantora Cláudia Tikuna e do grupo de música e dança dos Saterê-Maué que entoaram deus cantos, mostrando a riqueza das nossas tradições.Essa ilustre desconhecida que é também a Literatura Indígena contemporânea no Brasil configura a sagração de cada momento em que escritores e artistas de diferentes nações indígenas atravessaram rios, pegaram estradas (em ônibus, trem e metrô) e cruzaram céus para participarem do I Encontro de Escritores Indígenas na região amazônica. Como se não bastasse, alguns dos nossos parentes até sobreviveram aos descasos de hospitais públicos para estarem aqui, apostando na vida que brota também da literatura; refiro-me ao Moura Tucano, um dos líderes do movimento presentes ao encontro e que em nome dos escritores indígenas, homenageou Maroaga, cacique legendário dos waimiri-atroari que resistiu até a morte contra a invasão das suas terras. Este é apenas um pedaço da realidade e apesar dos preconceitos literários, compartilhamos da celebração. Aqui estamos, distendendo as asas dos sonhos, nossos sonhos, para expor em prosa, em verso e outras formas de manifestação artística as experiências, as vivências e vidências oriundas de seculares tradições, nossas tradições indígenas. Existem poucos livros de literatura indígena no mercado editorial. Dizer isto não significa adotar uma postura pessimista, considerando que somos co-autores de um repertório milenar. Este é um fato que os jornais não contam e quando falam da nossa existência na cena literária brasileira, confundem a nossa arte como sendo algo folclorizado. Isto quer dizer também que ainda não nos livramos da visão etnocêntrica que nos sufoca há mais de 500 anos. São poucos os livros que atestam a nossa existência literária, mas é notória a grande quantidade de leitores desejosos de conhecer mais de perto o que pensamos, como vivemos, como lutamos, como sonhamos e porque escrevemos.A nossa literatura é fruto de séculos e séculos de história, memória e resistência; uma literatura revisitada, contada, recitada pelos parentes nas pequenas e grandes aldeias, no quintal de nossas casas e até mesmo nas margens de um igarapé. Os saberes ancestrais são a nossa referência; a força da nossa escrita reside na tradição oral: uma grande coadjuvante no contexto do patrimônio cultural brasileiro. Outras referências nos aproximam, a começar pelo gosto de reunir a família e contar das andanças, dos perigos e sortilégios no seio da floresta ou em meio ao ruge-ruge das cidades grandes. Há muito ainda por dizer, por fazer. Por enquanto, cabe perguntar: qual o lugar da literatura indígena neste vasto mundo? Refletir a esse respeito é uma das maneiras de cumprir a nossa missão que é, dentre outras, fazer a leitura do mundo como sugeriu Paulo Freire. Ler e intuir, para não esquecer que “a intuição é mensageira da alma” como afirma Eliane Potiguara. Assim, também intuímos de Ana Froes do Nascimento, uma pensadora Kaingang, que por meio da leitura do mundo, do nosso mundo, multiplicamos o cereal plantado. Que assim seja e para saber mais a respeito do que escrevemos, basta um gesto simples que começa por um desejo: fazer parte da “teia da vida”, como dizem os nossos sábios. E não poderia ser diferente, pois o mundo é de todos e nesse universo cabe a beleza e a inteligência indígenas. Uma coisa é certa: a literatura nos une e é pelo direito de sonhar que estamos todos aqui.

Graça Graúna

domingo, 23 de novembro de 2008

Os Guarani no Festival de Brasilia

Os Guarani no Festival de Brasília

 

Do Distrito Federal, veio o quarto longa-metragem em competição no Festival de Brasília: "Nãnde Guarani (Nós Guarani)", de André Luís da Cunha. O filme é um documentário que retrata, com entrevistas, o cotidiano dos Guarani, com destaque para sua luta pelo direito a suas terras. Talvez por se tratar de um longa daqui, talvez pela pertinência de seu tema, o longa foi bastante aplaudido em sua sessão oficial, neste sábado, no Cine Brasília.

"Nãnde Guarani" nasceu do objetivo de auxiliar os Guarani em processos que se desenrolam na Justiça brasileira. Com estrutura de filme antropológico e narrativa simples, em que se alternam entrevistas com imagens cotidianas das aldeias, o documentário mostra os problemas dos índios Guarani, não apenas no Brasil, mas também em países como Argentina e Paraguai. As muitas ligações culturais entre
as tribos localizadas em nações distintas, a começar pelo idioma, sugere a necessidade de uma grande reserva na América do Sul, independentemente de fronteiras estabelecidas.

- Eu cresci espiritualmente e profissionalmente com o filme. Graças aos Guarani, eu passei a pensar diferentemente sobre a vida – disse o diretor, no palco do Cine Brasília.

Há bons depoimentos no documentário, tanto de índios, quanto de estudiosos do tema. Um antropólogo levanta a questão de que o Mercosul deveria ter a capacidade de conglomerar sociedades que têm relação além das fronteiras. Outro assunto que surge são os suicídios de índios no Mato Grosso do Sul, ponto de partida usado também no argumento de outro filme, a ficção "Terra vermelha", de Marco Bechis, que estréia na sexta-feira.

Com o documentário de Cunha, fica claro que o apego à terra, para os Guarani, tem origens culturais e religiosas, sendo muito mais forte do que os "homens brancos" costumam acreditar. Mas, por seu caráter institucional em defesa dos índios, o filme parece monótono, sem grandes revelações e imagens. A intenção, neste caso, tem bem mais valor do que o resultado.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Os Saterés produtores de guaraná de Barreirinha, Maués e Parintins, estão sendo enganados há vários anos, pelo italiano Maurício Frabonne.

O Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawe (CGTSM) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) denunciaram ontem que os saterés produtores de guaraná de Barreirinha, Maués e Parintins, estão sendo enganados há vários anos, pelo italiano Maurício Frabonne.

Intermediário de um consórcio empresarial encabeçado pela Associação de Consultoria e Pesquisa Indigenista da Amazônia (Acopiama), Frabonne comercializa produtos derivados de guaraná no mercado europeu sem repassar aos índios os valores cobrados a mais para investimentos em projetos de educação, saúde e transporte. Ele, inclusive, lançou um livro, contando a história do guaraná, denominado por ele de ?warana?, até esta semana ignorado pelos indígenas.

O italiano utiliza o nome do povo sateré para ganhar dinheiro e já lançou até um livro contando nossa história do qual não tínhamos conhecimento?, afirmou o presidente da CGTSM, Derli Bastos Batista, ao repassar os documentos comprovando esses fatos ao presidente da Coiab, Jecinaldo Sateré.

Frabonne é conhecido dos saterés desde a década de 90, quando intermediou um convênio com as empresas Guayapi e Sapopema, de propriedade da italiana Claudie Ravel, com o objetivo de vender a produção de guaraná dos índios das comunidades do Marau, em Maués (a 267 quilômetros de Manaus), Andirá, em Barreirinha (a 328 quilômetros) e Uacurapá, em Parintins (a 326 quilômetros).

Produção

Só em 2006, foram enviados 8,6 mil quilos de guaraná, cujo quilo foi pago a R$ 22,00. Mas na Itália o produto foi comercializado pelo dobro do preço, e em euros, tendo em vista o marketing feito pela Guayapi de que a diferença a mais estaria sendo revertida em benefícios sociais aos indígenas. "Isso nunca aconteceu", afirmou Derli. A denúncia está sendo encaminhada à Polícia Federal, Ministério Público Federal (MPF), Procuradoria Geral da República (PGR), Fundação Nacional do Índio (Funai). Obadias foi procurado pela reportagem em Parintins, mas na sede do CGTSM ninguém soube informar onde poderia ser localizado.

Ana Célia Ossame

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

TENSÃO NA TERRA DOS APOLIMA-ARARA

A notícia abaixo foi publicada em 10/nov no blog do jornalista Altino Machado, no endereço http://altino.blogspot.com/2008/11/tenso-na-terra-dos-apolima-arara.html

Segunda-feira, 10 de Novembro de 2008


É muito estranho que logo após a publicação do laudo da terra dos Apolima-Arara na edição do Diário Oficial do dia 15 de outubro, imediatamente começaram a haver reuniões na Reserva Extrativista do Alto Juruá, sempre dando voz à senhora Maritô, histórica inimiga daquele povo.
Chegou-se ao ponto de ser promovida uma "assembléia", nos dias 25 e 26 de outubro, onde também foi dada a voz aos "contrários" da terra indígena, incluindo mais uma vez a dona Maritô.
O mais estranho é que o promotor de justiça do Ministério Público Federal pédiu para que fossem evitadas todas as ações que pudessem ser entendidas como provocação de qualquer uma das partes. Nós mesmos cancelamos uma reunião que teríamos com os indios, atendendo a esse pedido do MPF.
O mais grave é que há informações de que parte dessas reuniões está sendo financiada com dinheiro público. Por causa delas, a região voltou a se tornar explosiva com risco real de haver mortes.
Encorajados, vários moradores e invasores não índios estão saqueando a terra dos Apolima-Arara. Hoje mesmo recebi do município de Mal. Thaumaturgo a informação de que, por causa do clima tenso, os índios estão pedindo a presença da Polícia Federal para protegê-los e para coibir os saques.

■ Lindomar Padilha é coordenador do Conselho Indigenista Missionário no Acre.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

COVARDIA NÃO É SÓ NO MATO GROSSO DO SUL

Um aparato de guerra persegue O Cacique Tupinambá da Serra do Padeiro - BA

Notícia de Ontem do jornal A Tarde - BA 23/10/2008 às 23:06

Cacique Babau escapa ao cerco em Buerarema

Denise Araújo, da Sucursal Itabuna, e redação Jornal A Tarde

A Polícia Federal está em perseguição a Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau, para cumprir um mandado de busca e apreensão expedido pelo juiz federal da Vara Única de Ilhéus, Pedro Holidey. A prisão foi determinada porque o índio é acusado de tentativa de cárcere privado e danos causados a uma viatura. Os policiais, em torno de 30 homens, fizeram uma barreira no início da estrada que dá acesso à Aldeia dos Tupinambás, na Serra do Padeiro, no município de Buerarema (a 447 km de Salvador, no sul da Bahia).

Na operação, além dos policiais da barreira, a PF usou vários homens em exploração pelo mato, além de varredura com helicóptero. O número de agentes não foi divulgado. Foram sete horas de ação para o cumprimento do mandado, mas o cacique não foi encontrado. Embora a assessoria de imprensa da PF tenha emitido boletim afirmando que "não houve qualquer confronto na região na data de hoje [quinta-feira, 23], tendo transcorrido dentro da normalidade todas as diligências", depoimentos de alguns índios dão conta de que os agentes usaram de violência para cumprir o mandado de busca e apreensão, ao revistar suas casas.

Na manhã desta quinta-feira, os policiais se dirigiram ao local, objetivando apurar o incidente ocorrido na segunda-feira, 20, que, segundo informações da PF, resultou em agressão contra os policiais e a destruição do veículo. Na ocasião, os agentes tinham ido à Serra do Padeiro para cumprir pedido de reintegração de posse de terras. Houve confronto e os agentes reagiram com balas de borracha para conter os índios.

A PF informou que, ao realizar as investigações pela manhã, encontrou o irmão do cacique Babau, de nome Jurandir da Silva, reconhecido como um dos agressores durante a ação de reintegração de terras na segunda-feira. Ele foi levado para a sede da Polícia Federal em Ilhéus para depoimentos. Magnólia Silva, também irmã do cacique, disse que ficou espantada com a ação dos agentes nesta quinta. "Eles invadiram nossa casa e reviraram tudo. Carregaram espetos de assar carne e algumas facas e facões". Segundo informações de Rômulo Siqueira, responsável pelo escritório regional da Fundação Nacional dos Índios - Funai, o clima continuou tenso no local, mesmo após o conflito. Os índios, em protesto, resolveram obstruir estradas.

Haroldo Heleno, membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), observa que a situação na região é muito preocupante. "Desejamos que haja uma rápida regularização do problema, através da entrega do relatório de identificação, que permite a regularização das terras da tribo indígena Tupinambá". Ele acha que o caos poderia ser evitado se a Funai tivesse providenciado com mais urgência a entrega do documento.


PRISÃO - O cacique Babau foi preso no começo deste ano (17 de maio), quando participava de uma reunião na sede da Funai de Ilhéus. Ele ficou recluso no Presídio Ariston Cardoso, em Ilhéus, por dois dias. O motivo da detenção foi desacato à autoridade e por não ter comparecido a audiência para prestar esclarecimentos sobre a apreensão de quatro caminhões, um carro patrol e uma pá-carregadeira, apreendidas na aldeia por meses.


Segundo os índios, os veículos, que prestavam serviço para a prefeitura de Buerarema, foram apreendidos porque retiravam cascalho das terras indígenas para terraplanagem, mas não havia benefícios em troca. Na ocasião, integrantes da tribo fizeram plantão em frente ao presídio, pedindo a soltura do cacique.


Comentário:
Quanta covardia. Será que a Polícia Federal não tem mais o que fazer.Por que não investiga os contrabandistas de bebidas junto ao cais?

Heitor Kaiowá

domingo, 19 de outubro de 2008

Massacre: Raposa Serra do Sol - texto de João Américo Peret

Massacre: Raposa Serra do Sol
(Nove índios e seis não índios são feridos a bala)
João Américo Peret (1) -


Como indigenísta há 58 anos, não posso ficar calado. Lendo uma entrevista do colega sertanista Orlando Villas Boas, de 1980, vemos que os massacres continuam depois de 40 anos de denúncias sistemáticas. Ele faz referencia a massacre Txukarramãe no Xingu: - “Essa matança – segundo Villas Boas - foi à gota d’água. Não são humildes lavradores cuidando de rocinhas para sua subsistência. O que há, na verdade, é índio de um lado e pistoleiros fortemente armados de outro. Em Bang-Bang (nome de povoado) - e não é por acaso tal denominação do lugarejo – ali vivem dezenas de jagunços permanentemente à disposição de fazendeiros para o que der e vier.”

Os motivos também são os mesmos: terras. Como sertanista da Funai, realizei um Inquérito Administrativo em Roraima, em 1968. Na ocasião, visitei várias malocas, e na maloca do Limão conversei muito com o tuxaua Felismino Pereira. Logo que me identifiquei, ele indagou: “É verdade que o SPI acabou? Que deram a Fazenda São Marcos, para o Pastor americano Sr. Haroldo Burns? Sabia que isso facilitou a invasão das nossas terras?”. O SPI não acabou. Só trocou de nome, hoje é Funai.

Ninguém pode dar terras federais como a fazenda de São Marcos. Ela foi entregue aos parentes de vocês com 12 mil cabeças de gado, em 1917. “Pois o IBRA disse que o SPI acabou e registrou nossas terras para os fazendeiros, para os padres italianos, para o pastor americano... Nós também corremos para registrar as nossas malocas para não perder tudo: Essa maloca do Limão é minha, tenho o registro; a maloca da Raposa, é do Abel e Gabriel; a maloca Perdiz, é do Damásio Galé; a maloca Chuminá, é do Lino Antônio Evaristo; a maloca Aratanha, é do Duarte Aratanha...”. Provavelmente, o prefeito de Pacaraima foi um dos fazendeiros que invadiu ou comprou de quem invadiu a terra dos índios.

Vejo que passados 40 anos, o massacre analisado pelo Orlando Villas Boas, se repete em Roraima, com o uso de jagunços. Orlando Villas Boas também comentou: “A Funai é sempre acusada indiscriminadamente. Mas quem faz alguma coisa pelo índio ainda é ela. As outras entidades, que se imiscuem na assistência ao índio vivem de denúncias e se locupletar do sangue suor e lágrima dos índios. E querem salvar o índio, sem sequer, conhecerem o Parque do Xingu. É muito fácil salvar o índio de dentro de um apartamento, com um copo de uísque na mão. O nosso índio está desaparecendo, exatamente, na voragem de seus salvadores. Acredito na Funai, sei que tem seus erros e até péssimas administrações passadas, mas continuo acreditando”.

Na opinião do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia: - “A política indigenísta brasileira está entregue a Organizações Não-Governamentais (ONG’s), e não consegue atender a ausência do Estado (Funai). Nas aldeias, proliferam as criações de organizações e muitas arrancam para si vultosas quantias do orçamento destinado à saúde indígena; outras interessadas em catequizar e evangelizar esses povos. Há no meio militar receio de que entidades ligadas às ONG’s estrangeiras estejam de olho não só nos índios, mas nas riquezas florestal e mineral da Amazônia. Para o general Heleno (EB), a política indigenísta brasileira é Lamentável, para não dizer caótica”. Conclui o General. Como indigenísta ex-sertanista do SPI/FUNAI, 1949-1970, participei de várias sindicâncias e inquéritos administrativos sobre massacre e espoliações dos povos indígenas. Mas nunca vi nenhum dos envolvidos nas tramas, punidos. Nossas leis. Que leis?... manipuladas pela politicagem favorecem a rapinagem. Quanto a proliferação de ONG’s nas áreas indígenas, até o presidente da Funai já se declarou favorável. E quando você faz contato com ONG’s indígena, é quase sempre atendido por jovens graduadas em antropologia, sociologia, administração etc, que amasiada com líderes indígenas, administra a ONG’s, numa cidade, em causa própria”. Tudo isso é muito esquisito, sou indigenísta de 82 anos, trabalhar sob a égide de Rondon, Gama Malcher, Heloisa Torres, fui colega dos Irmãos Villas Boas, Apoena e Francisco Meireles, Gilberto Pinto, Cícero Cavalcante e outros. E acompanhei vários antropólogos em pesquisas de campo.

(1) João Américo Peret, indigenísta, escritor, jornalista, acadêmico.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

ELEIÇÕES - APLAUSOS AOS ÍNDIOS!!! - Texto de João Américo Peret

Foi com muita alegria que recebi a mensagem do M. Marcos Terena - Membro de la Cátedra Indígena Itinerante, Presidente del Comitê Intertribal - ITC.

Acredito que os amigos que estão com o Grande Espírito no Céu: Rondon, Malcher, Heloisa Torres, Darcy Ribeiro, Meireles, Gilberto Pinto e tantos outros que deram o sangue, suor e lágrimas pela causa indígena, estejam enviando raios cósmicos do SOL para abrir a mente desses irmãos indígenas que aos poucos despertam para a política brasileira, e irão melhorar a vida das populações carentes dessa Pátria Amada.

Peret, indigenísta

João Américo Peret - Indigenista/Escritor/Jornalista

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Indígenas Eleitos - Texto de Marcos Terena

COMITÊ INTERTRIBAL - ITC

http://www.tvintertribal.com.br/

Prezados irmãos indigenas e demais companheiros de luta,

Com grande alegria informamos que diversos lideres indigenas de norte a sul do País, foram eleitos para funçoes politicas estrategicas dentro de suas regiões como Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores. Como parte do movimento indigena Brasileiro, temos que estar contentes com isso, pois sabemos que a luta municipal e regional é muito maior que de nivel federal, principalmente pelo ranço da discriminaçao e preconceito latente.

Este sem dúvida, é o primeiro passo para que nossas aldeias, nossos Povos comecem a pensar na importância do voto indigena, já que depois do carnaval, começam as campanhas para Presidente da República, Governo do Estado, Senador, Deputado Federai e Deputado Estadual.

Entao parabens ao espirito de luta dos eleitos e que tem como missao, trabalhar para construir nossa representaçao em nivel federal.

JEREMIAS XAVANTE - MT;
IURARU KARAJÁ - TO;
DARCI JAWAÉ (TO);
CARLINHOS MEINAKU (XINGU-MT);
DIVA MAXAKALI (MG);
KARAJÁ PATAXÓ (BA);
DEZINHO FULNI-Ô (PE);
ALEXANDRE XERENTE (TO);
IVAN XERENTE (TO);
GENILTON PARESI (MT);
PERCEDINO TERENA (MS);
PEDRO GARCIA (AM) - PREFEITO DE S. GABRIEL DA CACHOEIRA;
ANDRÉ BANIWA (AM) - VICE-PREFEITO DE S. GABRIEL;
MECIAS SATERÉ-MAWÉ (AM) - PREFEITO DE BARREIRINHA.

Tem um certo Paulinho Paiakan, eleito vereador na cidade de Avaí/SP, perto da aldeia de Araribá, mas nao é com certeza o Paiakan Kayapó...

E ainda que, o Quartiero, não se reelegeu em Roraima.

Parabéns a luta dos Povos Macuxi, Wapichana, entre outros.... Qualquer coisa para acrescentar e confirmar todos podem entrar non site http://www.justicaeleitoral.gov.br/. Grande abraço a todos!

M. Marcos Terena
Miembro de la Cátedra Indigena Itinerante Presidente del Comitê Intertribal - ITC

E se fosse o seu pai?




Vítima dos conflitos na TI Raposa Serra do Sol após ser atacado por jagunços

O CIMI e a Declaração da ONU - Texto de Denis Rosenfield

Declarações são desencontradas e os números servem mais para encobrir do que para esclarecer os fatos e as intenções dos agentes políticos. O julgamento em curso sobre a Raposa Serra do Sol coloca questões relativas à soberania nacional que devem ser seriamente consideradas. Relegá-las a segundo plano seria um grave equívoco. O Itamaraty assinou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas da ONU, contrariando pontos da própria Constituição brasileira. O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, procura se esquivar, afirmando, contra todas as evidências, que essa Declaração não precisaria ser ratificada pelo Congresso Nacional, quando é disso, precisamente, que se trata. Das duas, uma: ou a Declaração passa a ter vigência no País, independentemente de ser ratificada pelo Congresso, situando-se acima da Constituição brasileira, ou ela não tem nenhuma validade e, neste caso, não se sabe por que o Itamaraty a teria assinado. Uma simples assinatura sem nenhum valor? Custa a acreditar.

Da mesma maneira, o processo de identificação e demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul apresenta números conflitantes, que parecem corresponder a essa mesma estratégia de assinar uma coisa e dizer outra, como se o cidadão não merecesse o respeito à informação. Nesse Estado, as portarias do Incra abrangem 26 municípios (já aumentados, na semana passada, para 28), correspondendo a aproximadamente um terço do seu território. Esta é a realidade. O resto é tergiversação. Diante das reações suscitadas, certos antropólogos desinformados falam em 600 mil hectares e outros, em 3 milhões. Nem eles se entendem. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) calcula em torno de 4 milhões de hectares. Segundo o que foi publicado no Diário Oficial, a área a ser demarcada chega a aproximadamente 12 milhões de hectares, podendo atingir qualquer propriedade e qualquer município. A insegurança jurídica é total, prejudicando seriamente o Estado. Eles desinformam, em vez de informar. A quem interessa essa confusão?

Em 17 de setembro de 2007, o Cimi, órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), fez uma contundente defesa da aprovação da Declaração pela Assembléia-Geral da ONU, que ocorreu no dia 13 do mesmo mês - logo, apenas quatro dias depois de aprovada. Em seus próprios termos: "A Declaração se torna agora um importante instrumento na luta dos povos indígenas pela afirmação de seus direitos. A Declaração orienta os Estados a protegerem os territórios indígenas e os recursos que existirem nestes. Além disso, a ONU recomenda que nenhuma ação deve ocorrer em terras indígenas sem consentimento prévio e informado dos povos. As formas de consultá-los devem ser de acordo com a organização de cada povo."

Constata-se o papel propriamente político da Declaração enquanto instrumento a ser utilizado em cada país pelas organizações que se colocam como representantes dos povos indígenas. No caso em questão, o Cimi se põe na situação desse interlocutor, ocupando o lugar de mediador, embora, na verdade, atue diretamente na nomeação e nas próprias ações da Fundação Nacional do Índio (Funai). É como se a Funai, de órgão do Estado brasileiro, passasse a funcionar como órgão da ONU e de seus intermediários, para além da soberania nacional. Mais especificamente, é recomendado que toda ação dentro dos territórios considerados indígenas seja feita somente com o consentimento desses povos, o que vem a significar: com o consentimento do próprio Cimi e de outros órgãos atuantes nessas terras e nesses territórios. Ou seja, o Cimi e as ONGs, com a intervenção da Funai, terminariam se colocando como os verdadeiros governantes dessas terras e desses territórios, apesar de utilizarem a figura retórica de que são os próprios índios que expressam, assim, a sua vontade.

A Declaração, enquanto discurso político, passa a orientar a ação do Cimi, das ONGs e da própria Funai, independentemente de ela não ter sido votada e aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Esses interlocutores, esses mediadores políticos, no entanto, começam a atuar como se ela já fizesse parte do arcabouço constitucional brasileiro, num evidente contra-senso e desrespeito à democracia representativa. Eis o Cimi novamente se manifestando: "O Brasil votou a favor da Declaração, da mesma forma que todos os países da América do Sul, à exceção da Colômbia, que se absteve. A partir de agora, a Declaração deve ser usada como referência no desenvolvimento da política indigenista brasileira." Ou seja, não seriam mais a Funai e o próprio Estado brasileiro que ditariam as normas da política indigenista, mas uma Declaração da ONU, instrumentalizada pelo Cimi. Na verdade, o Cimi e as ONGs, com o beneplácito de membros da Funai afinados com essa posição, passariam a ditar a política indigenista nacional, o que já é de certa maneira feito em Mato Grosso do Sul e Roraima.

Para além da soberania nacional e do ordenamento constitucional, o Cimi já defende a idéia de que essa Declaração deve servir como orientação para o Poder Judiciário. Observe-se, novamente, o contra-senso. A Declaração não é lei nem norma constitucional e, no entanto, essa ala da Igreja, respaldada pelos movimentos ditos sociais, procura fazer como se ela fosse uma norma situada acima da própria Constituição brasileira, valendo para além e por cima dela. "A Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas também pode, a partir de sua aprovação (pela ONU), ser usada pelo Poder Judiciário como referência para suas decisões." O Judiciário, ainda segundo essa ótica, deveria proferir sentenças não apoiadas no texto constitucional brasileiro, mas numa Declaração da ONU, sustentada pelo Cimi, isto é, pela própria Igreja, por intermédio dessa sua ala radical, que ditaria as normas do Estado brasileiro.


Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail:

Eu Não Aceito Ser Co-Autor de Genocídio - Texto de Luiz Carlos Azenha

Estou no Colorado para a Convenção que indicará Barack Obama oficialmente candidato do Partido Democrata à Casa Branca. Porém, antes de entrar neste assunto pretendo falar de outro, que julgo mais importante: a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira, em que os juízes decidirão se consideram ou não inconstitucional a demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima.

Quando fui convidado pela TV Cultura para fazer um documentário a respeito não conhecia quase nada sobre o assunto. Passei dez dias entre Boa Vista, a reserva e Brasília entrevistando dezenas de pessoas a respeito. Li muito. Discuti o assunto com especialistas. O material que coletei foi entregue a uma equipe da TV paulista, que fez um belíssimo trabalho de edição. O documentário já foi ao ar duas vezes. Acredito que oferece um panorama a respeito da polêmica, em que vários pontos-de-vista foram contemplados. Falaram tanto o líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero, quando os representantes dos indígenas.

É um assunto complexo, que merece reflexão. Numa entrevista que dei ao Jornal da Cultura eu mesmo disse que não se deve tratar deste assunto com o coração -- ou o figado, como preferirem -- mas com a cabeça.

Porém, não é o que tenho visto desde que estive em Roraima. Infelizmente tenho testemunhado algo que me surpreende: o racismo, o preconceito e o desprezo de muitos brasileiros pelos indígenas. Os próprios indígenas costumam dizer que isso se deve à desinformação. É o que ouvi, por exemplo, da advogada que os representa no STF, Joênia Wapixana, a primeira indígena que se formou em Direito no país.

Talvez seja, de fato, desinformação. Mas, sinceramente, acredito que é algo mais perverso: é racismo. É intolerância. É desprezo pelo diferente, por algo que no inconsciente coletivo do brasileiro representa "atraso", um alvo conveniente contra o qual dirigimos nosso ressentimento pelos fracassos do Brasil de brancos, negros e europeus.

São freqüentes, neste e em outros endereços da internet, as referências ao tratamento que os Estados Unidos deram aos indígenas, como se o genocídio cometido em outros lugares fosse justificativa para o genocídio no Brasil. "Se os americanos fizeram, nós também podemos fazer", argumentam. É vergonhoso, para dizer o mínimo. Quando se trata dos indígenas, queremos ser tão criminosos quanto os americanos? É isso? Ou nós seremos melhores do que eles?

A ignorância é, de fato, a maior inimiga dos indígenas brasileiros. Os brasileiros brancos ignoram a riqueza étnica do País, ignoram as condições em que vivem os indígenas, ignoram as leis que amparam as demarcações. E os ignorantes são muito mais suscetíveis às campanhas de desinformação movidas contra os indígenas, que tiram proveito do preconceito existente na sociedade brasileira. "Índio não dá audiência", costumava dizer a diretora de um programa da TV Globo quando eu trabalhava na emissora, supostamente apoiada em pesquisas de opinião. "Índio é bêbado e vagabundo", costumava dizer um parente meu, testemunha de conflitos fundiários no interior do País. As manifestações de racismo explícito envolvendo violência se cristalizaram no caso do índio Galdino Pataxó, aquele que foi queimado por jovens brancos de classe média alta em Brasília.

A violência institucional contra os indígenas não é uma novidade no Brasil. Foi política de estado o confinamento dos indígenas em territórios exíguos, verdadeiros campos de concentração em que se misturaram povos de diversas etnias, inclusive de famílias inimigas. Uma visita às aldeias da região de Dourados, no Mato Grosso do Sul, dará ao leitor uma idéia do que estou falando.

Lá, milhares de indígenas foram concentrados em pequenos territórios, sem assistência médica, educação ou apoio para cultivar a terra. Aos jovens resta mendigar nas ruas das cidades próximas ou trabalhar como bóias frias. Os homens deixam as reservas em busca de trabalho temporário nas lavouras. As mulheres ficam sós para cuidar dos filhos. E o Brasil só se dá conta dessa situação calamitosa quando bebês começam a morrer ou jovens, sem perspectiva, cometem suicídio.

A Constituição de 1988 reconheceu o direito dos indígenas à terra e obriga o Estado brasileiro a garantir a eles o espaço necessário para a sobrevivência. É óbvio que a população indígena cresce e que as demarcações precisam levar em conta isso. Justamente para evitar que situações como a verificada em Mato Grosso do Sul se repitam.

Não estamos tratando de um favor, mas do cumprimento da lei. O estereótipo de que os índios são "bonzinhos", ou "selvagens" ou "inocentes" ou "manipuláveis" é só isso: um estereótipo.
Perguntem à advogada Joênia Wapixana e ela diz: "Não é pelo fato de que um índio fala português ou usa um laptop que ele deve abrir mão dos seus direitos constitucionais".
Estes são direitos coletivos ao usufruto da terra.

Terra indígena, como já escrevi aqui, é terra da União, ou seja, do Brasil, de toda a sociedade brasileira. Ao reconhecer o direito de uso da terra o Brasil não está abrindo mão de sua soberania ou "entregando" terra. Está reconhecendo a sua obrigação de preservar as diferentes etnias e de conceder aos indígenas o usufruto de território essencial para sua preservação.

Pessoalmente, entre conceder o usufruto da terra aos indígenas ou aos arrozeiros eu, Azenha, prefiro conceder aos indígenas. Sei que eles vão preservar a terra muito melhor do que agricultores, cujo principal objetivo é o lucro pessoal. Eu prefiro sustentar 500 indígenas do que uma família de classe média alta branca que se apropriou de terras públicas, tem outras propriedades e pode muito bem produzir fora de áreas demarcadas.

É disso que o STF vai tratar: de uma disputa POR TERRA entre alguns fazendeiros brancos e milhares de indígenas. De uma disputa que já causou muitas mortes. Sabe quantas? Vinte e uma, na contabilidade dos indígenas. Nenhum homem branco. Todos os 21 mortos são indígenas. Todos morreram em conflito fundiário desde que a FUNAI começou o trabalho de reconhecimento da Raposa/Serra do Sol. Quantas vezes a mídia corporativa brasileira deu espaço para as teorias conspiratórias da extrema-direita, que em nome de beneficiar o agronegócio e as mineradoras tenta transformar os indígenas em uma ameaça à soberania?
Essa ameaça inexiste. Todas as terras indígenas pertencem à União e a presença de autoridades brasileiras nelas é garantida por decreto. A fantasia dos "vazios demográficos" não é mais que isso: uma fantasia de militares de extrema-direita que, com o fim da guerra fria, procuram "inimigos" que justifiquem a Doutrina de Segurança Nacional, uma doutrina que eles aprenderam com os americanos e que exige a existência de "inimigos internos".

É irônico que os "inimigos internos" de hoje sejam os indígenas, agora supostamente aliados dos americanos e europeus.

Não é nada irônico que gente que se diz "de esquerda" ou "progressista" se junte à extrema-direita para fazer dos indígenas "inimigos".

Por não terem voz na mídia, nem na academia, nem nos partidos, nem no Congresso, os indígenas são um inimigo conveniente.

São a garantia de que nós, brasileiros brancos, que nos sentimos tão pequenos ou derrotados diante de americanos, suecos, franceses e argentinos, podemos finalmente dizer que "ganhamos uma".

"Ganhar uma" sobre os direitos dos indígenas, em minha opinião, é genocídio. Não a limpeza étnica clássica, evidente, de grandes proporções.

A limpeza étnica malandra, nas sombras, a conta-gotas, justificada pomposamente por tribunais, jornalistas, partidos e políticos com citações jurídicas e a "produção" de fatos consumados a posteriori para forçar a "desdemarcação".

Os brasileiros brancos querem, aos poucos, matar os indígenas?

Não contem comigo. Não aceito ser co-autor de genocídio.

PS: Por um erro meu, esse texto foi publicado de forma incompleta. Os primeiros comentários foram feitos com base numa versão menor, mas o sentido do texto permanece o mesmo. Peço desculpa ao leitores e comentaristas.

Luiz Carlos Azenha

Blog Vi o Mundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, Opinião, 26/08/2008.

Nas Mãos da Justiça - Texto de Marina Silva

Há coisas em nossa casa que prezamos muito. Mas, se um incêndio ameaçá-la, deixamos tudo de lado e nos agigantamos para chegar até o quarto e salvar os filhos.

Alguns temas da vida nacional são comparáveis ao quarto dos filhos porque guardam o fundamento, o profundo, o que separa o essencial do apenas importante. Às vezes não é fácil percebê-los, pois falta sensibilidade e sobra pragmatismo. A diversidade cultural é um deles. Está no cerne da identidade brasileira e, de alguma forma, nos orgulhamos dela e a exibimos em expressões artísticas, esportivas, em imagens, natureza e história.

Em algumas situações, porém, acaba-se salvando o enfeite da sala em prejuízo do quarto dos filhos. E, nesse passo, vamos comprometendo nossa continuidade, perdendo elos que nos tornam únicos e definem nosso peculiar pertencimento no mundo. Digo isso a propósito da proximidade de momento de enorme significado para o país: a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol em área contínua. Não nos iludamos; está em jogo não apenas uma pendenga entre índios e não-índios na sociedade de Roraima. Quem está na berlinda são todos os brasileiros, em sua capacidade de proteger, pelas mãos do Estado, a preciosa esfera dos valores culturais e imateriais da nação.

A população de Roraima não chega a 400 mil habitantes. Para os cerca de 350 mil não-índios há quase 11 milhões de hectares de terras disponíveis, diz estudo do Instituto Socioambiental. Comparando, Pernambuco tem 9,8 milhões de hectares para cerca de 8 milhões de habitantes.
A defesa das nossas fronteiras na Amazônia sempre receberam grande contribuição das comunidades indígenas. Por exemplo, pela incorporação de seus jovens ao Exército para ações em áreas aonde ninguém quer ou sabe ir.

Assim, não há razão concreta, de natureza social ou de segurança, para desconstituir a terra indígena Raposa Serra do Sol. A decisão do Supremo, seja qual for, dirá algo relevante sobre o compromisso do Estado na defesa de uma das principais raízes de nossa identidade cultural, e sobre seu dever de protegê-la, mesmo contrariando interesses ou remando contra marés de incompreensão momentâneas.

O Estado brasileiro vem a duras penas tentando dar conta de seu dever na questão indígena. A Constituição de 1988 foi o grande teste do Legislativo. O Executivo vem tomando medidas importantes, embora acumule enorme passivo.

Agora, está nas mãos do Judiciário. Este é, talvez, o teste mais importante até aqui porque ratificará o que foi alcançado ou abrirá um caminho de grave retrocesso.

Marina Silva


FSP, 04/08/2008, Opinião, p. A2.

Direitos Constitucionais dos Índios - Texto de Dalmo Dalari

Para os índios brasileiros, a terra não é um valor econômico, mas um bem essencial para sua sobrevivência. Isso é muito diferente da concepção dos que invadem áreas indígenas visando aumentar o patrimônio sem pagar pelas terras de que se apossam ilegalmente, sem consideração de ordem ética e sem respeito pela vida e pela dignidade dos seres humanos que são os índios.

Para indignação dos brasileiros que respeitam a Constituição e os princípios e as normas nela consagrados, autoridades públicas que deveriam ser um padrão de dignidade e honestidade acobertam e auxiliam os grileiros das terras indígenas, simulando preocupação com o Direito, a Justiça e a soberania nacional, mas, na realidade, colaborando para a espoliação do patrimônio público e a consumação de inconstitucionalidades.

Foi com a colaboração de autoridades públicas que invasores de áreas indígenas criaram por lei estadual falsos municípios, sem existência legal, pois não foram cumpridas as exigências expressas no artigo 18 da Constituição para a criação de municípios.
Uma vez mais o Supremo Tribunal Federal deverá tomar uma decisão em ação judicial movida com o propósito de anular a demarcação de área indígena feita com absoluta regularidade, apoiada em laudo antropológico e rigorosamente dentro da lei.

Trata-se do caso da área indígena Raposa/Serra do Sol, vizinha ao Estado de Roraima, há séculos ocupada por etnias indígenas. A decisão que for tomada poderá ter o efeito gravíssimo de anular todas as demarcações de áreas indígenas feitas até hoje com rigor técnico e estrita obediência a regras constitucionais e legais.

Se isso ocorrer, haverá muitos conflitos e as conseqüências poderão ser gravíssimas, dando margem à acusação, já feita anteriormente, de que, no Brasil, se pratica o genocídio indireto. Se o STF cumprir sua função de guarda da Constituição, isso será evitado.
Antes de tudo, dispõe a Constituição, no artigo 20, inciso XI, que são bens da União "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios". No artigo 231, são fixadas duas normas fundamentais relativamente a essas terras que são de propriedade da União.

O parágrafo primeiro do artigo 231 deixa claro o sentido dessa ocupação: "São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições". O parágrafo segundo dispõe: "As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".

Como fica mais do que óbvio, a ocupação indígena não se limita aos agrupamentos das habitações em que dormem, mas abrange toda a área onde os índios obtêm o indispensável para sua sobrevivência digna, colhendo os frutos da natureza, plantando, criando gado ou pescando, dependendo das condições de cada região.

Além disso, é na área circundante às habitações que o índio identifica, colhe e utiliza plantas medicinais, bem como o material necessário à edificação das casas e à fabricação de roupas, utensílios, enfeites e objetos destinados aos seus rituais, como também suas armas. Ainda mais, é nesse espaço circundante que eles enterram os seus mortos, pelos quais têm grande respeito e veneração.

Por tudo isso, a demarcação das terras indígenas é, necessariamente, de áreas contínuas, em rigorosa obediência à norma constitucional que define como indígenas todas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, não havendo um só caso de ocupação de "ilhas", deixando intervalos vagos, sem ocupação, entre um e outro espaço ocupado por aldeamentos.
Assim sendo, é absurda e inconstitucional a pretensão de anular a demarcação de áreas contínuas, abrindo espaço para que aventureiros sem escrúpulos, agredindo a Constituição, criem barreiras entre as aldeias da mesma etnia.



Dalmo de Abreu Dallari, 76, advogado, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Luiza Erundina).


FSP, 23/08/2008, Tendências/Debates, p.A3.

Os Índios e as Nossas Fronteiras - Texto de Rúbens Ricúpero

"Descobri que também eu era índio quando encontrei os ianomâmis. Tive depois profunda piedade ao ver a que lastimável abandono condenamos esses nossos irmãos brasileiros: sem alimentos, sem remédios, entregues à violência de garimpeiros e bandidos."

Não ouvi essas palavras comoventes de nenhum antropólogo ou idealista de ONG. Elas me foram ditas, 27 anos atrás, por um militar disciplinador, terra-a-terra, homem prático e sensato. Foi em Belém, na sede da 1ª Comissão Demarcadora de Limites, que seu então chefe, o saudoso coronel Ivonilo Dias Rocha, sertanejo cearense com cara de índio, me relatou sua experiência. Ele acabava de retornar de campanha demarcatória na fronteira do Brasil com a Venezuela, nessa Roraima do noticiário.

Como chefe do Departamento das Américas do Itamaraty e antes responsável interino pela Divisão de Fronteiras (ilustrada por Guimarães Rosa), lidei no dia-a-dia com as duas comissões demarcadoras, a de Belém-Manaus e a do Sul, da fronteira da Bolívia ao Chuí. Chefiadas por oficiais da reserva do Exército especialistas em topografia e medições, sempre estiveram sob o comando do Itamaraty.

Jamais ouvi sombra de queixa de nenhum demarcador sobre suposto entrave criado por reservas fronteiriças ao trabalho de demarcação ou inspeção das fronteiras. Boa parte de tal serviço se fazia com a indispensável colaboração dos conhecedores do terreno, os índios que serviam como guias, canoeiros, transportadores. O coronel Ivonilo teve a revelação de sua profunda identidade indígena ao ajudar e ser ajudado pelos índios na fronteira. Pertencia à tradição do Exército do marechal Rondon, positivista, neto de bororos, que preferia: "Morrer, se preciso; matar nunca".

Ao investir contra moinhos de vento de fantasista ameaça à soberania oriunda das reservas fronteiriças, os quixotes não vêem os crimes diários que se cometem contra a Amazônia e seus habitantes, caboclos ou indígenas. Centenas de milhares de quilômetros quadrados de biodiversidade florestal reduzidos a fumaça, dezenas de trabalhadores, índios, missionários assassinados por pistoleiros comovem menos que a compra de hectares de mata por alguma ONG estrangeira desejosa de proteger a natureza.

Os índios não têm a propriedade das reservas. Não podem vender ou alugar a terra; dela só possuem o usufruto. Já os grileiros que ateiam fogo para se declararem donos desejam a propriedade exclusiva e gratuita. Quase sempre para fins especulativos ou ações predatórias como a pecuária extensiva, que degrada e abandona os solos.

Em nenhum outro lugar se está tão próximo da frase de Proudhon: "A propriedade é o roubo".
O próprio Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) declara que a situação fundiária da maioria das terras é irregular. É generalizado o esbulho praticado por particulares contra o que devia ser de todos os cidadãos. Às vezes, a única diferença entre diversos tipos de esbulho é sua antigüidade. Remontam alguns aos tempos em que terras devolutas eram distribuídas a políticos e desembargadores como brinde de Natal.

Não é preciso olhar debaixo da cama para ver se alguma sinistra ONG estrangeira está ali escondida. As ameaças à nação estão diante de nós: grileiros, incendiários, madeireiros ilegais, latifundiários, pistoleiros. A eles, senhores defensores da soberania nacional!



Rubens Ricupero, 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).


FSP, 25/05/2008, Dinheiro, p. B2.

Na Terra do Sol - Texto de Mírian Leitão

A Raposa Serra do Sol é um desafio múltiplo para o país. É assunto complexo, delicado, perigoso. No embate, o Brasil revela seus defeitos e erra com os índios: ora por preconceito; ora por paternalismo. A terra sem lei que é a Amazônia está explícita no caso do fazendeiro, com jagunços e armas, apoiado pelo governador. A absolvição do mandante da morte de Dorothy Stang confirma que, na região, o crime tem vencido.

Quando o general Heleno fez seu desabafo, ajudou a revelar o que muitos pensam dentro das Forças Armadas. Melhor que ele fale em público. O general comanda 25 mil homens na Amazônia, deve ter liberdade de exprimir seus pensamentos. Mas, quando for tomada a decisão pelo poder civil, ele vai cumpri-la; certamente.

O general Heleno tem razão quando diz que a política indigenista do Brasil é uma bagunça. Ela tem um defeito original: trata os índios como se todos estivessem no mesmo estágio; os que nem falam português e aqueles completamente integrados recebem o mesmo tratamento paternalista por parte da Funai, como se fossem incapazes, não soubessem o que fazem.

O debate revelou outro flanco, perigoso: o preconceito contra índios. Nem "bom selvagem", como o pensamento idílico de alguns; nem estrangeiros, como tantos fizeram crer. Muitos disseram que, se as terras ficarem com os índios, a integridade territorial brasileira estará ameaçada. Isso revela a idéia esquisita de que grileiros não ameaçam a segurança nacional; mas índios, sim. De que Paulo César Quartiero, com seus capangas encapuzados e bombas, garantiria a integridade do país, mas os índios, num território contínuo, seria a perda de um pedaço do Brasil.

Temer o uso da expressão "nações" para definir as várias etnias indígenas só ameaça a ilusão de um país homogêneo. O Brasil não é homogêneo. Deve ser unido em sua diversidade, respeitadas as diferenças. O Canadá chama os grupos indígenas de first nations, ou seja, primeiras nações, e não foi isso que ameaçou a unidade do Canadá.

O importante é que a bandeira brasileira seja sempre soberana e esteja sobre todos os grupos, etnias, estados. Fundamental é que as Forças Armadas tenham trânsito livre em todo o território nacional. As terras das reservas são da União; os índios têm apenas o usufruto. Mas têm cuidado bem delas. Os dados de satélite provam que as reservas indígenas são hoje áreas mais preservadas que as outras áreas. Às vezes, são manchas verdes cercadas de feridas na mata.

Nem sempre é assim. Há índios e índios, como em qualquer outro grupo humano.
Ano passado, entrevistei dois líderes indígenas do alto Rio Negro: Domingos Tukano e André Baniwa. Eles estudaram, usam a internet, e preferem ficar com suas tribos e ajudá-las a preservar sua cultura, ainda que admitam que a cultura não é estática. Moram em pontos diferentes do extremo norte do Brasil. Para chegar em suas aldeias, têm que viajar até São Gabriel da Cachoeira, a 860 quilômetros de Manaus e, de lá, seguir de barco por, no mínimo, uma semana, se for voadeira. Morando em áreas tão remotas, estão ajudando a garantir a integridade territorial brasileira, e não o contrário.

O mesmo argumento valeria para Quartiero - ou para qualquer outro brasileiro que se disponha a estar em partes extremas e remotas do Brasil - desde que eles cumpram as leis, adquiram suas terras legalmente e não sejam predadores da floresta.

O governador de Roraima está a favor do fazendeiro e pediu o respeito à lei por parte dos índios, mas não viu o flagrante desrespeito à lei cometido pelo fazendeiro-prefeito. A Polícia Federal prendeu Quartiero, mas o governo não registrou que os índios não poderiam ter ido àquela área enquanto a questão estava sendo discutida pela Justiça. Deveriam ter aguardado a decisão do Supremo Tribunal Federal. Os 300 índios que estão acampados em frente à fazenda também estão errados. Ambos, arrozeiros e índios, devem obediência ao mesmo STF. Neste caso, erram os dois. E o governo deve estar preparado para fazer cumprir a decisão do Tribunal, seja qual for. Deve admoestar tanto os índios quanto os arrozeiros, que é isso que se fará.

A questão das reservas indígenas terá que ser enfrentada pelo Brasil de forma atualizada e sem preconceitos. O conflito vai se acirrar daqui em diante. O país tem o direito de se perguntar se as reservas são excessivas. Em alguns casos, talvez sejam, sim. A Funai precisa tornar mais efetiva sua ação. O Incra também tem que dizer, em algum momento, a que veio.

Um fazendeiro com quem conversei recentemente na Amazônia admitiu que a maioria das terras deles e de seus amigos não eram exatamente legais, mas me perguntou:

- Por que, em 40 anos, o Incra não foi capaz de pôr ordem nesta bagunça fundiária?

O que está em jogo na Reserva Raposa Serra do Sol é o conflito de terras na Amazônia, e não o dilema de integrar o país ou entregar para os índios. Está em jogo é a capacidade do Estado de fazer cumprir as leis do país naquela vasta e preciosa região. O assassinato de Dorothy Stang mostra a força do crime que está destruindo a Amazônia. Se os punidos forem apenas os pistoleiros mandados, teremos escolhido deixar o crime vencer. O STF pode decidir o que for sobre Raposa Serra do Sol, mas que os ministro não se deixem influenciar pela idéia difundida neste debate de que os índios não são brasileiros e nos ameaçam.

Se for isso, o país terá escolhido o retrocesso.



O Globo, 11/05/2008, Panorama Econômico, p. 38.

O "jardim antropológico" é uma insensatez - Texto de Hélio Jaguaribe

Todos os países americanos se confrontaram com a questão indígena. É indiscutível que em todos eles a relação entre europeus colonizadores e a população nativa foi originariamente conflituosa. Esse conflito conduziu ao extermínio das populações costeiras (Brasil), levando os nativos a se refugiarem no interior remoto de cada um desses países.

É a partir sobretudo do século 19 que se diferenciam a conduta dos europeus e a de seus descendentes nas Américas. Nos EUA, a opção da população branca foi o extermínio dos nativos: "a good indian is a dead indian".

O Brasil não teve política indigenista até o início do século 20. O índio foi romantizado por José de Alencar e outros. Mas a conduta real, por parte dos que se adentraram pelo Oeste, foi de espoliação das terras indígenas, com violenta expulsão dos nativos.

A política indigenista no Brasil não foi, originariamente, formulada pelo governo federal, e sim por esse grande pioneiro que foi o general Rondon.

Encarregada da extensão das linhas telegráficas até Cuiabá, a Missão Rondon, como foi designada, se defrontou com as populações indígenas do interior do país. A política adotada por Rondon foi a de total respeito aos índios, reconhecidos como legítimos proprietários das terras.

Meu saudoso pai, general Francisco Jaguaribe de Mattos, então jovem capitão, foi o geógrafo e cartógrafo da missão. Dele tenho narrativas diretas de como se procedia então. Seus membros, nos freqüentes encontros com os índios, os abordavam pacificamente, incorporando os que desejassem. O lema de Rondon era: "Morrer se necessário, matar, nunca".

A política indigenista de Rondon partia do suposto de que o índio era o brasileiro nativo, que devia ser tratado respeitosamente pelos civilizados e induzido, pacificamente, a se incorporar à cidadania, recebendo conveniente educação e assistência.

A República manteve a política indigenista de Rondon. De acordo com suas idéias (ele mesmo tendo ascendência indígena), estimava-se que, gradualmente, a total população indígena, ora da ordem de 700 mil entre 190 milhões de habitantes, seria incorporada à cidadania brasileira.

Em anos mais recentes, a política indigenista brasileira passou a ser orientada por etnólogos.
Estes, diversamente de Rondon, não intentavam a pacífica incorporação do índio, mas a preservação das culturas indígenas. Para isso, adotou-se a prática da delimitação de amplas áreas nos sítios povoados por índios, como reservas.

A política de reservas vem sendo aplicada sem levar em conta os imperativos de defesa nacional, o que ocorre nos diversos casos em que elas se estendem até nossas fronteiras com países vizinhos. As autoridades militares têm alertado o governo, com toda a razão, sobre o perigo da prática.

Por essas e outras razões, a política indigenista brasileira requer uma urgente a ampla revisão. Desde logo, independentemente da nova orientação que se lhe dê, é preciso estabelecer uma faixa que acompanhe as fronteiras do Brasil com outros países e dela excluir as reservas indígenas. Em termos mais amplos, importa questionar: que objetivos deve ter tal política, ademais da proteção do índio?

Por outro lado, a perpetuação de culturas nativas, em que se fundamenta, no Brasil, a política de reservas, carece de sentido. Em termos antropológicos, pois é impossível sustar o processo civilizatório. As populações civilizadas do mundo são descendentes de populações tribais, que seguiram, em todos os países, o secular caminho que leva paleolíticos a se transformarem em neolíticos e estes, em civilizados. Criar um "jardim antropológico", à semelhança de um jardim zoológico, é uma insensatez. Cabe ao governo federal zelar pela unidade do país, e não contribuir para autonomizar supostas nações indígenas que, no limite do caso, poderiam apelar para a ONU para lhes salvaguardar a independência e ser objeto de penetração estrangeira.

A nossa política indigenista não pode ter outro objetivo senão o da incorporação pacífica do índio à cidadania brasileira, para tal lhe dando toda a assistência requerida: sanitária, educacional e profissional.



Helio Jaguaribe, 85, sociólogo, é decano emérito do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (RJ), membro da Academia Brasileira de Letras e autor de, entre outras obras, "Um Estudo Crítico da História".

FSP, 26/04/2008, Tendências/Debates, p. A3.

Grande perigo é balcanizar a Amazônia - Texto do Gal. Luiz Gonzaga Lessa

Há um grande perigo em gestação na fronteira Norte do País: a balcanização da Amazônia,, ou seja, a transformação daquela vasta região em algo semelhante ao que ocorreu no Kosovo, nos Bálcãs, com conseqüente risco à soberania brasileira. Este tema tem muito a ver com a tentativa de transformar toda aquela área, onde vive boa parte das nações indígenas brasileiras, em uma nação distinta do Brasil.

Isso tem muito a ver com a influência estrangeira sobre os índios, tema que está no fulcro do projeto apresentado pela Secretaria Nacional de Justiça. O pior é que este atentado não tem sido coibido pelo governo, que, obviamente, percebe o risco, mas tem se omitido e não de agora.

Esse perigo, sobre o qual temos alertado toda a sociedade brasileira há mais de dez anos, tem a ver com a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 13 de setembro de 2007. Essa declaração é quase o ato final de um persistente processo que, nos últimos 20 anos, tem sido levado a efeito por influentes e bem estruturadas organizações não-governamentais (ONGs).

Caso a Declaração venha a ser referendada pelo Congresso, ganhará força de emenda constitucional, conforme prevê a própria Constituição Lembro que a Lei Maior diz, no seu artigo 5.º, que tratados internacionais referentes a direitos humanos referendados pelo Congresso passam a valer como emendas constitucionais. Em tese, nada impediria que algum destes vários líderes indígenas, muito bem instruídos e preparados, declarasse a independência de sua 'nação', apartada do Brasil.

A se confirmar essa tendência, teremos retalhado o Brasil em 227 nações, com 180 diferentes idiomas. O crime contra o Brasil e sua soberania e unidade territorial terá sido perpetrado. Onde está a sociedade civil que não se manifesta?


Comandante militar da Amazônia até 1998 e ex-presidente do Clube Militar

OESP, 25/04/2008, Nacional, p. A14.

Alarmismo - Texto de Mércio P. Gomes

Por mais inverossímil que pareça, o STF poderá levar a nação brasileira a um retrocesso sem precedentes na história do indigenismo nacional. As declarações proferidas por alguns ministros antecipam uma grave mudança na terra indígena Raposa Serra do Sol, desmembrando-a em "ilhas" para acomodar sete arrozeiros que nela penetraram ilegalmente alguns anos atrás. A justificativa para tal ato seria o perigo à integridade territorial brasileira pela existência de terras indígenas nas nossas fronteiras e pela presença ostensiva de ONGs na Amazônia.

Do lado militar, o chefe do Comando Militar da Amazônia prossegue em franca campanha de atemorização nacional pela presença de terras indígenas em fronteiras, de estrangeiros na Amazônia e da possibilidade de entrarmos em guerra contra algum inimigo fronteiriço ou internacional.

O alarme reverbera na opinião pública. Ninguém parece se lembrar do papel dos índios na História brasileira, especialmente na inclusão de Roraima ao território nacional.
Esquecem-se os militares de um de seus maiores patronos, o Marechal Rondon, que escreveu, em 1910, que os índios "são nações autônomas, com as quais o Brasil deve ter relações de amizade".

Quem era Rondon? Um venda-pátria, ou um dos maiores patriotas que a nação já teve? Para Rondon os povos indígenas são parte essencial da nação brasileira. Chamaos de nações no mesmo sentido que o Canadá chama seus povos indígenas de first nations, isto é, primeiras nações. Será que o Canadá põe em perigo sua soberania ao chamar seus povos indígenas de nações?

Nunca na História brasileira o nosso território sofreu perda para outro país, muito menos por causa dos índios. Ao contrário, foi pela aliança de alguns povos indígenas com os portugueses que partes substantivas do nosso território passaram a pertencer ao que hoje é o território nacional.
Todos que almejam ver um Brasil digno e respeitado têm que começar respeitando os povos indígenas, os primeiros brasileiros. O STF não pode voltar atrás na homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, não só pelo ato já realizado, mas pelo que a homologação representa como ato jurídico que oficializa o reconhecimento do Estado e da nação sobre as terras indígenas. Nos últimos cem anos, 600 segmentos do território nacional foram reconhecidos como terras indígenas e todas elas pertencem integral e constitucionalmente à União brasileira.



Mércio P. Gomes é antropólogo e foi presidente da Funai

Autor: Mércio P. Gomes
Data de publicação: 28/04/2008
Fonte: O Globo

Mitos e Lendas sobre Raposa Serra do Sol - Texto de Marcelo Leite

Apesar das intenções e declarações atribuídas aos ministros Carlos Ayres Britto e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é muito improvável que o STF anule os efeitos do decreto de 2005 da Presidência da República que homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS, para simplificar) de modo contínuo.


Lula, FHC e o contraditório

O processo administrativo de identificação, demarcação e homologação da TIRSS durou mais de 15 anos. Nesse quarto de século, sofreu todo tipo de contestação. Cada uma delas foi sendo derrubada nas várias esferas, inclusive no Supremo (só neste ano o ministro Ayres Britto deu duas decisões contrárias aos contestadores). O decreto homologador de Lula não foi o início, mas sim o coroamento do processo, que formalizou o que havia sido preparado mas não concluído por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Este, aliás, é um dos mitos que cerca a TIRSS. Blogs tucanos dizem que FHC demarcou a terra em ilhas e que Lula voltou atrás, mas não é verdade. Nelson Jobim, quando ministro da Justiça de FHC, de fato baixou portaria desmembrando a TIRSS, mas seu sucessor Renan Calheiros, ainda no governo FHC, revogou a portaria e reconstituiu a reserva contínua.


Integridade territorial

Tampouco é verdade que a TIRSS, por estar em área de fronteira, implica perda de soberania sobre a terra e ameaça à integridade territorial, como se apressam a afirmar deputados e blogueiros mais ou menos próximos do PCdoB e de militares ultranacionalistas (e antiindígenas). O decreto de homologação, que completa três anos amanhã, afirma em seu artigo 4o:

"É assegurada, nos termos do Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, a ação das Forças Armadas, para a defesa do território e da soberania nacionais, e do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, para garantir a segurança e a ordem pública e proteger os direitos constitucionais indígenas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

"Parágrafo único. As Forças Armadas e o Departamento de Polícia Federal utilizarão os meios necessários, adequados e proporcionais para desempenho de suas atribuições legais e constitucionais."

Quem se der ao trabalho de consultar o decreto no 4.412 acima mencionado, verificará que militares e policiais federais não precisam "pedir licença para os índios" para lá entrar. Só para a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional, e isso quando quiserem instalar unidades militares e policiais nas reservas (art. 2o). Esta, por sua vez, "poderá solicitar manifestação da Fundação Nacional do Índio - FUNAI acerca de eventuais impactos em relação às comunidades indígenas das localidades objeto das
instalações militares ou policiais".


A TI Yanomami, homologada há quase 16 anos com área cinco vezes maior e também na fronteira, não se tornou uma nação indígena independente. Era o que alegava campanha que teve larga publicidade nos anos 1980 no jornal O Estado de S. Paulo. Há na área dois pelotões de fronteira, em Surucucu e Auaris. Na TIRSS há outros dois, em Uiramutã e Pacaraima.


Soberania e ONGs estrangeiras

Boa parte dos textos retrógrados publicados contra a TIRSS, na prática, negam a condição de brasileiros aos 15 ou 18 mil macuxis, taurepangues, ingaricós, patamonas e uapixanas que ali vivem. Aliás, como lembrou em entrevista de 15 min à TV Estadão a advogada especializada em direito sócio-ambiental Ana Valéria Araújo, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, Roraima só é do Brasil porque Joaquim Nabuco defendeu sua posse, em disputa com a Inglaterra, com base justamente a presença de índios brasileiros por lá. (A entrevista, de resto, é uma aula imperdível.)

Reconhecer aos índios, juridicamente, a óbvia posse da terra que ocupam antes de qualquer "brasileiro que paga imposto" (= não-índio), por aquela lógica estreita, equivale a ceder soberania para estrangeiros. Deve ser porque o Conselho Indígena de Roraima (CIR), em março de 2004, aliada à ONG Rainforest Foundation, dos EUA, denunciou o Estado brasileiro à Organização dos Estados Americanos (OEA) por violação aos direitos indígenas. Como narram Egon Heck, Francisco Loebens e Priscila D. Carvalho no artigo "Amazônia indígena: conquistas e desafios", "em 6 de dezembro de 2004 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Governo do Brasil quatro medidas:

proteger a vida e a integridade pessoal dos povos indígenas Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana, respeitando sua identidade cultural e sua especial relação com o território ancestral;
assegurar que os beneficiários possam continuar a habitar suas comunidades, sem nenhum tipo de agressão, coação ou ameaça;
abster-se de restringir ilegalmente o direito de livre circulação dos membros dos povos
indígenas Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana; investigar séria e exaustivamente os fatos que motivaram o pedido de medidas cautelares".

Em outras palavras, o que os inimigos da TIRSS acusam de ser um complô internacional contra a soberania brasileira, na realidade, é uma tentativa de usar pressão de um organismo multilateral do qual o Brasil faz parte para que o país cumpra a sua própria Constituição, no artigo 231: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".


Fazendeiros produtivos x índios primitivos

O mesmo artigo 231 afirma em seu parágrafo 6o: "São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé".

O que poucos sabem, porque não se diz, é que a maioria dos ocupantes de terras indígenas - ocupação essa inciada quando as terras já estavam em processo de identificação e demarcação - aceitou indenização pelas benfeitorias e deixou a área. Havia coisa de 200 unidades de produção, das quais restaram umas 60. Entre elas, os seis arrozeiros que, segundo o governo estadual de Roraima, respondem por 6% do PIB do Estado (não há notícia de que o governador tucano José de Anchieta Júnior tenha feito
cálculo similar para informar quanto representa a atividade econômica dos 15 ou 18 mil índios da TIRSS, que têm por exemplo 50 mil cabeças de gado por lá).


Terra demais para índio

Usando apenas dados disponíveis na internet, é possível fazer algumas contas interessantes sobre a alegação de que 17.475 km2 para 15 ou 18 mil índios é terra demais para eles.

O Estado todo tem 224.298,980 km2 e 391.317 habitantes. Isso dá 0,57 km2/hab. A população da TIRSS é de 18.751 pessoas, mas suponhamos que só 15 mil sejam de fato índios - eles teriam portanto, algo como 1,17 km2/hab, só duas vezes mais que a média do Estado. Agora considere a argumentação de que os 60 agricultores nas terras indígenas ocupem "só" 1% da reserva, ou cerca de 180 km2. Dá 3 km2/pessoa, bem mais que o quinhão dos verdadeiros donos da terra - ou alguém dúvida de que os índios chegaram antes?


Precedentes no STF e em MS

Se for para duvidar de alguma coisa, é mais prudente duvidar de que o STF volte atrás em todas as suas decisões anteriores e anule o decreto de homologação de 2005, desmembrando a TIRSS. Seria preciso demonstrar como isso atenderia melhor ao art. 231 da Constituição, ou provar que o processo de demarcação conduzido pela Funai e pelo Ministério da Justiça ao longo de 15 anos ocorreu em desacordo com ele, com outras partes da Constituição ou com a legislação que disciplina esse tipo de ação administrativa.


Autor: Marcelo Leite
Data de publicação: 14/04/2008
Fonte: Folha Online-Blogs-Ciência em Dia