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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Raposa Serra do Sol: Questão de Justiça Texto de Frei Beto


Retroagir a homologação de Raposa Serra do Sol para área não-contínua representa grave precedente jurídico em relação aos demais processos demarcatórios, e poderá estimular grileiros e oportunistas a realizarem invasões nos mesmos moldes das que ocorrem em Roraima.
Frei Betto

Em 15 de abril de 2005, o presidente Lula assinou a homologação, em área contínua, da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Este ano, a Polícia Federal, em cumprimento da lei, mobilizou-se para retirar da reserva seis arrozeiros. Os invasores da área, convencidos de que “índio atrapalha o progresso”, reagiram com violência, inclusive bombas. Criaram o fato político capaz de induzir o STF a suspender a medida legal e reiniciar o atribulado percurso já transitado pelos três poderes da República.
Roraima abriga pouco mais de 400 mil habitantes num território de 224.298 km2 (pouco menor que o Equador). Raposa Serra do Sol é uma área de 1,67 milhão de hectares situada no nordeste do estado, nas fronteiras com a Venezuela e a Guiana. A área foi demarcada pelo Ministério da Justiça, através da Portaria 820/98, em 1998, durante o governo FHC. Da área de Roraima, 46,35% são reservadas aos indígenas. Ali eles somam 46.106, distribuídos em 152 aldeias dos povos Yanomami (15 mil), Macuxi, Wapixana, Wai-Wai, Ingaricó, Taurepang, Waimiri-Atroari e Patamona.
Políticos e arrozeiros queriam a demarcação em área descontínua, “ilhas” onde pudessem permanecer com suas terras (invadidas) e propriedades (ilegais). Três municípios foram criados dentro da reserva indígena: Normandia, Uiramutã, e parte de Pacaraima. Raposa Serra do Sol não é apenas uma selva salpicada de tribos. Ali atuam 251 professores indígenas em 113 escolas de ensino fundamental e três de ensino médio. Os indígenas manejam um rebanho de 27 mil cabeças de gado. Funciona dentro da reserva a Escola Agropecuária de Surumu, que profissionaliza técnicos de nível médio. Conveniados com a Funasa, há 438 Agentes Indígenas de Saúde e 100 indígenas técnicos em microscópio, trabalhando em 187 postos de saúde e 62 laboratórios. Valoriza-se a medicina tradicional indígena.
Dentro do território demarcado, seis rizicultores ocupam 6 mil hectares, com lavouras irrigadas, nas margens dos rios Cotingo, Tacutu e Surumu. Todos grileiros em terras da União. Utilizam agrotóxicos, destroem a mata ciliar, soterram lagoas e igarapés, abrem valas para canalizar a água dos rios às suas lavouras. A mesma água, poluída com agrotóxico e inutilizável para o consumo, retorna ao rio, matando os peixes. No verão, impedidas de fazer uso da água dos rios, as comunidades indígenas são obrigadas a cavar poços. Com a destruição das lagoas e da mata ciliar, as caças desaparecem.
Os vilarejos dentro da reserva dão apoio ao garimpo ilegal e, ali, circulam bebidas alcoólicas, muitas vezes oferecidas às jovens indígenas…
Os direitos dos povos indígenas estão garantidos pelo artigo 231 da Constituição; assegura-lhes a posse permanente e o uso exclusivo de suas terras. Uma demarcação fracionada da área favorecerá a invasão de forasteiros, aumentará a incidência de conflitos e porá em risco a sobrevivência de culturas milenares.
Na primeira semana de janeiro de 2004, o Jornal Nacional mostrou a mobilização de arrozeiros e latifundiários interrompendo estradas na tentativa de evitar a homologação de Raposa Serra do Sol. Com o apoio de lideranças indígenas cooptadas, seqüestraram três missionários católicos da Missão Surumu: os padres Ronildo Pinto França, brasileiro; e Cézar Avellaneda, colombiano; e o irmão espanhol Juan Carlos Martinez, todos membros do Instituto Missão Consolata. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, advertiu o governador Flamarion Portela, de Roraima, de que o governo federal tomaria providências para liberar os reféns e desmobilizar o protesto. A Policia Federal agiu e libertou os seqüestrados.
Eram seis hora da manhã de 23 de novembro de 2004, quando a comunidade Jauari foi despertada por tiros, gritos, roncos de máquinas. Quarenta homens armados mataram galinhas, porcos e cães, e deram dois tiros no macuxi Jocivaldo Constantino, um deles na cabeça. De lá marcharam para destruir as comunidades indígenas Brilho do Sol, Retiro São José e Homologação. Nas quatro aldeias derrubaram, com tratores, 37 casas e incendiaram os escombros, sem poupar a igreja, a escola e o posto de saúde; isolaram as áreas e fecharam as estradas. Ficaram desabrigadas 131 pessoas.
Retroagir a homologação de Raposa Serra do Sol para área não-contínua representa grave precedente jurídico em relação aos demais processos demarcatórios, e poderá estimular grileiros e oportunistas a realizarem invasões nos mesmos moldes das que ocorrem em Roraima.
Quanto à Segurança Nacional, lembro que os povos indígenas têm, historicamente, desempenhado papel fundamental na preservação e defesa de nossos atuais limites territoriais. Não são os índios que promovem degradação ambiental, contrabando, garimpagem de minérios preciosos e derrubada de madeiras nobres. A hipótese de se criar uma faixa de 10 a 20 km de largura ao longo de nossas fronteiras abre o risco de atrair intenso movimento migratório de não-índios para a região, causando degradação ambiental e social, desmatamento e contaminação dos rios.
Cabe ao STF fazer cumprir a Constituição, ou seja, confirmar a homologação em área contínua e, ao governo, deslocar a sede do município de Uiramutã para as margens da rodovia BR-401 (que liga à Guiana); promover a regularização fundiária de Roraima e reassentar os posseiros em áreas definidas pelo Incra, com pagamento das justas indenizações; e preservar as atuais rodovias, como bens públicos, para uso de cidadãos indígenas ou não. Retalhar raposa Serra do Sol é retalhar a Constituição Brasileira, reforçar a discriminação aos indígenas e premiar o faroeste dos que apóiam os interesses de apenas seis arrozeiros.

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “A Mosca Azul – reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.

Os grifos são meus - Ana Kristina S. Ribeiro

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Nota da Conectas Direitos Humanos sobre a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Na primeira sessão do julgamento da Petição 3888 sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal, ocorrida em 27 de agosto de 2008, o Ministro relator da ação, Carlos Ayres Britto, em seu voto, levantou o debate sobre a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em setembro de 2007 pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU. O julgamento da ação foi suspenso devido ao pedido de vista dos autos formulado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito que, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo em 29 de agosto, poderá utilizar a Declaração da ONU para contestar a forma de demarcação contínua das terras indígenas.

O principal ponto da polêmica instaurada em relação à Declaração da ONU é que esta possibilitaria a criação de “uma nação indígena soberana dentro dos Estados signatários”. Não obstante, uma leitura integral do texto da Declaração e uma interpretação dentro do contexto de sua elaboração afastam esta interpretação equivocada. Além disso, não é demais lembrar que a Declaração da ONU, por não ser tratado, não possui caráter cogente e, de forma alguma, poderia modificar a Constituição brasileira.

A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas tem a característica peculiar de ter contado com a participação efetiva dos detentores dos direitos - os povos indígenas - em sua elaboração, cujo processo levou mais de 25 anos. Foi finalmente aprovada na Assembléia Geral da ONU em 13 de setembro de 2007, tendo 143 países votado a favor da Declaração, entre eles o Brasil, 4 contra e 11 abstenções.

Durante o processo de elaboração da Declaração, alguns pontos sensíveis foram levantados, entre os quais a questão da autodeterminação dos povos indígenas. Assim, especial esforço foi realizado pelas partes envolvidas para atingir um consenso em relação às questões controvertidas.

Especialmente no que se refere à autodeterminação, o texto final adotado pela ONU esclarece ser o direito à autodeterminação compatível com o princípio da integridade territorial e com a unidade nacional, não podendo este direito ser interpretado no sentido de permitir a secessão dos povos indígenas de seus países de residência, dos quais são nacionais. O texto da Declaração é expresso neste sentido:

Artigo 461. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no sentido de conferir a um Estado, povo, grupo ou pessoa qualquer direito de participar de uma atividade ou de realizar um ato contrário à Carta das Nações Unidas ou será entendido no sentido de autorizar ou de fomentar qualquer ação direcionada a desmembrar ou a reduzir, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes. (grifo nosso)

Diversos países fizeram declaração de voto após a adoção da Declaração pela Assembléia Geral, explicitando em suas declarações que votaram em favor da aprovação do documento, uma vez que o texto final esclareceu a questão da autodeterminação anteriormente levantada como um problema por diversos Estados. Em sua declaração de voto, o Brasil ressaltou que o exercício dos direitos dos povos indígenas é consistente com a soberania e a integridade territorial do Estado em que eles residem.

Desta forma, o direito à autodeterminação deve ser interpretado como um direito à autonomia e autogoverno em relação a temas que dizem respeito a assuntos locais e internos das terras indígenas – como disposto no artigo 4 da Declaração. Interpretar este direito como uma possibilidade de criação de uma “nação autônoma dentro do Brasil”, significa desconsiderar 25 anos de árduo processo de negociação e elaboração da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, cujo texto final foi aprovado na Assembléia Geral após amplo debate no sentido de que o direito à autodeterminação não pode ser interpretado contra a soberania e integridade territorial dos Estados.

Pior, utilizar esta interpretação equivocada contra o direito de demarcação das terras indígenas de forma contínua significaria, além de um enorme retrocesso, uma grave violação dos direitos humanos dos índios, na medida em que a continuidade territorial é essencial para a preservação de sua cultura, organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, conforme estabelece não apenas a Declaração da ONU, mas também a nossa Constituição Federal.

Oscar Vilhena Vieira, Diretor Jurídico
Marcela Cristina Fogaça Vieira, advogada


Data de publicação:
28/10/2008
Fonte:
Conectas Direitos Humanos

terça-feira, 14 de outubro de 2008

E se fosse o seu pai?




Vítima dos conflitos na TI Raposa Serra do Sol após ser atacado por jagunços