domingo, 19 de outubro de 2008

Massacre: Raposa Serra do Sol - texto de João Américo Peret

Massacre: Raposa Serra do Sol
(Nove índios e seis não índios são feridos a bala)
João Américo Peret (1) -


Como indigenísta há 58 anos, não posso ficar calado. Lendo uma entrevista do colega sertanista Orlando Villas Boas, de 1980, vemos que os massacres continuam depois de 40 anos de denúncias sistemáticas. Ele faz referencia a massacre Txukarramãe no Xingu: - “Essa matança – segundo Villas Boas - foi à gota d’água. Não são humildes lavradores cuidando de rocinhas para sua subsistência. O que há, na verdade, é índio de um lado e pistoleiros fortemente armados de outro. Em Bang-Bang (nome de povoado) - e não é por acaso tal denominação do lugarejo – ali vivem dezenas de jagunços permanentemente à disposição de fazendeiros para o que der e vier.”

Os motivos também são os mesmos: terras. Como sertanista da Funai, realizei um Inquérito Administrativo em Roraima, em 1968. Na ocasião, visitei várias malocas, e na maloca do Limão conversei muito com o tuxaua Felismino Pereira. Logo que me identifiquei, ele indagou: “É verdade que o SPI acabou? Que deram a Fazenda São Marcos, para o Pastor americano Sr. Haroldo Burns? Sabia que isso facilitou a invasão das nossas terras?”. O SPI não acabou. Só trocou de nome, hoje é Funai.

Ninguém pode dar terras federais como a fazenda de São Marcos. Ela foi entregue aos parentes de vocês com 12 mil cabeças de gado, em 1917. “Pois o IBRA disse que o SPI acabou e registrou nossas terras para os fazendeiros, para os padres italianos, para o pastor americano... Nós também corremos para registrar as nossas malocas para não perder tudo: Essa maloca do Limão é minha, tenho o registro; a maloca da Raposa, é do Abel e Gabriel; a maloca Perdiz, é do Damásio Galé; a maloca Chuminá, é do Lino Antônio Evaristo; a maloca Aratanha, é do Duarte Aratanha...”. Provavelmente, o prefeito de Pacaraima foi um dos fazendeiros que invadiu ou comprou de quem invadiu a terra dos índios.

Vejo que passados 40 anos, o massacre analisado pelo Orlando Villas Boas, se repete em Roraima, com o uso de jagunços. Orlando Villas Boas também comentou: “A Funai é sempre acusada indiscriminadamente. Mas quem faz alguma coisa pelo índio ainda é ela. As outras entidades, que se imiscuem na assistência ao índio vivem de denúncias e se locupletar do sangue suor e lágrima dos índios. E querem salvar o índio, sem sequer, conhecerem o Parque do Xingu. É muito fácil salvar o índio de dentro de um apartamento, com um copo de uísque na mão. O nosso índio está desaparecendo, exatamente, na voragem de seus salvadores. Acredito na Funai, sei que tem seus erros e até péssimas administrações passadas, mas continuo acreditando”.

Na opinião do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia: - “A política indigenísta brasileira está entregue a Organizações Não-Governamentais (ONG’s), e não consegue atender a ausência do Estado (Funai). Nas aldeias, proliferam as criações de organizações e muitas arrancam para si vultosas quantias do orçamento destinado à saúde indígena; outras interessadas em catequizar e evangelizar esses povos. Há no meio militar receio de que entidades ligadas às ONG’s estrangeiras estejam de olho não só nos índios, mas nas riquezas florestal e mineral da Amazônia. Para o general Heleno (EB), a política indigenísta brasileira é Lamentável, para não dizer caótica”. Conclui o General. Como indigenísta ex-sertanista do SPI/FUNAI, 1949-1970, participei de várias sindicâncias e inquéritos administrativos sobre massacre e espoliações dos povos indígenas. Mas nunca vi nenhum dos envolvidos nas tramas, punidos. Nossas leis. Que leis?... manipuladas pela politicagem favorecem a rapinagem. Quanto a proliferação de ONG’s nas áreas indígenas, até o presidente da Funai já se declarou favorável. E quando você faz contato com ONG’s indígena, é quase sempre atendido por jovens graduadas em antropologia, sociologia, administração etc, que amasiada com líderes indígenas, administra a ONG’s, numa cidade, em causa própria”. Tudo isso é muito esquisito, sou indigenísta de 82 anos, trabalhar sob a égide de Rondon, Gama Malcher, Heloisa Torres, fui colega dos Irmãos Villas Boas, Apoena e Francisco Meireles, Gilberto Pinto, Cícero Cavalcante e outros. E acompanhei vários antropólogos em pesquisas de campo.

(1) João Américo Peret, indigenísta, escritor, jornalista, acadêmico.

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