segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Vidas humanas não podem valer menos que toda a energia de Itaipú Binacional

Em 1982, alguns meses antes da inundação que ocuparia 2.430 km², engolindo Sete Quedas e dezenas de outros rios e córregos da bacia do rio Iguaçú, uma aldeia indígena de quase 100 índios recebeu a notícia que iriam ser transferidos para outro local.

O projeto foi “magnânimo” com Fauna e Flora. De fachada, fizeram muitos filmes de equipes de biólogos recolhendo alguns exemplares de fauna que, para a biodiversidade da região, quase nada significou.

Da mesma forma, estudos apressados de Flora foram feitos para se preservar espécies endêmicas. Mas, com os índios Avá Guarani, foi bem diferente. Aliás ele nem são citados no projeto da usina.

Quando lembrados, deram-lhes um pequeno pedaço de terra. Depois da inundação, os índios perceberam que haviam caído numa armadilha. Mais da metade da pequena terra dada como indenização à inundação do território de sobrevivência indígena, estava debaixo d’água, como disse o Cacique Simão Tupã Retã Vilialva

Hoje, depois de 24 anos de penúria, de fome, de doenças, de mortes, pouco mais de 600 pessoas, em sua maioria constituída por crianças, impelem aos líderes Avá Guarani ao clamor de justiça.
Vivendo em dois grupos próximos, no município paranaense de São Miguel do guaçú, os índios passam por um período decisivo em suas vidas. Cansados e descrentes dos embates com a FUNAI e o IBAMA, principalmente, esse grupo de indígenas vem agora se movendo em direção à imprensa para que sua mais que reconhecida causa seja divulgada e atraia a atenção da sociedade e das autoridades, pois disso depende a sua sobrevivência.

A história dos Nhandeva-Ava-Guarani do Paraná é uma verdadeira saga. Esse grupo de índios são da mais antiga etnia verificada no Paraná (aliás, deveria ser Paranã). Foram os Nhandeva-Avá Guarani que construíram o famoso Caminho de Peabirú, há mais de dois mil anos e que liga o Oceano Atlântico ao território Inca, passando por Guarapuava. Uma trilha que ainda pode ser percebida em alguns trechos onde a ganância capitalista não transformou em pasto ou em soja. Uma enorme quantidade de relatos históricos prova que esse povo, assim como os Mbyá e Kaiová foram os pioneiros na América Latina. Famílias inteiras foram destroçadas pelos espanhóis no século XIX. Eram chamados de Itatines ou Itatins pelos portugueses. Itatim significa “ nariz de pedra “, gente sem sensibilidade, porque não aceitaram a conversão ao cristianismo. Foram perseguidos pelos bandeirantes escravagistas. Pois, não tinham o salvo conduto da conversão.

Antes mesmo da construção de Itaipu, eles já sofriam diferentes formas de violência. Com a acelerada ocupação branca no Oeste paranaense “os Avá Guarani tinham as casas queimadas, o que os obrigava a emigrar”, diz o relatório do Grupo de Trabalho da Itaipu Binacional (GT) e a FUNAI, de 20 de maio de 1994.

Em 1982, os índios foram assentados na área do Ocoi (Oco’y), numa faixa estreita de terra, o que sobrou da inundação, às margens do lago formado pela barragem. Eram proibidos pelo IBAMA de derrubar qualquer arbusto para lenha, pois a vegetação em seu redor, nada mais era que a mata ciliar do Lago de Itaipu.

Nesses 24 anos de assentamento, não há nada a comemorar. “Ao invés de esperança, temos a morte batendo à nossa porta”, disse Antônio Cabreira, um dos líderes da Aldeia. A indignação dos moradores de Oco’y tem justificativa. São inúmeros os problemas enfrentados pelo grupo que vão desde a poluição do lago por agrotóxicos proibidos à mendicância. Quando os índios foram assentados eram 11 famílias e hoje chegam a 140. O grupo que era de menos de 100 pessoas, conta agora com mais de 600, sendo que 250 são crianças com idades entre 0 a 5 anos.

“A pequena extensão de terra não permite a nossa subsistência”

Em termos agrícolas, as famílias possuem pequenas áreas de plantio. Apenas 3 cultivos por temporada são plantados, o que torna impossível fazerem rotação de culturas. Plantando há 24 anos nos mesmos locais, podemos ter uma idéia da imprestabilidade da área. Não há caça nem muita coleta. A pesca é contaminada por agrotóxicos que escorrem das fazendas vizinhas, inexistindo qualquer vigilância por parte do IBAMA em relação à poluição do lago.

As aspersões de agrotóxicos são feitas por aviões agrícolas, facilmente notados nos aeroportos das fazendas. Os venenos são contrabandeados, em sua maioria, do Paraguai. São substâncias altamente nocivas que, regularmente, provocam mortandade de peixes. Os agrotóxicos, com as chuvas, descem para as terras guaranis e contaminam as nascentes de águas potáveis.

Desta forma, os índios estão sendo contaminados dia após dia, assim como os animais, as terras, e a sofrida agricultura familiar. A contaminação do lago tem deixado a população doente, principalmente as crianças que já sofrem com doenças até então desconhecidas, alergias como sarna que chegam a atingir até as crianças de colo.

Além da falta de alimentos, a educação também é precária. A escola da comunidade só ensina até a quarta série. O resultado são 170 alunos fora da escola.

Por tratar-se de uma área de reserva ambiental, os índios são perseguidos e impedidos de plantar, embora licenças especiais já tenham sido pleiteadas e até hoje não foram respondidas. O artesanato, outra parte importante da cultura Guarani e uma possível fonte de renda, também não se desenvolve pelo mesmo motivo, já que uma boa parte consiste de utensílios e objetos de madeira.

Os colonos que habitam os lados de cima da bacia estão muito próximos da aldeia, o que por lei é ilegal. O que separa a estreita faixa de terra indígena das plantações de soja dos fazendeiros é apenas uma estrada. A proximidade e a falta de respeito, não só pelos colonos da região, mas pelo produtores, dá origem a conflitos violentos por causa de invasões. É alto o número de mortes e estupros e o descaso das autoridades torna essa situação inalterável e insustentável.
Como se não bastassem todos esses problemas, os Avá Guarani ainda precisam enfrentar a corrupção. Há poucas semanas um grupo formado pelos membros da recém-formada Associação Comu-nitária Indígena Oco'y - ACICO, encontrou alimentos que a FUNAI vem destinando aos índios apodre-cendo num depósito da Prefeitura de São Miguel do Iguaçú, enquanto os descendentes dos guerreiros de outrora mendigam pelas ruas da cidade, humilhando-se por um pouco de comida para não deixar mais crianças morrerem de fome.

A falta de perspectivas atinge o moral do grupo, desgraçadamente. Sem empregos, muitos migram para o Paraguai em busca de melhores condições de vida. A falta da continuidade dos estudos deixa a população acima dos 10 anos ociosa e acabam sendo “empurradas” à prostituição, crimes e suicídios.

O pleito dos Nhandeva Avá-Gurarani é simples. Terras em quantidade justa à que lhes foi subtraída para o assentamento das famílias, licença para plantio de subsistência e pequena comercialização como fonte de renda, incentivos para a educação e artesanato. Embora o povo esteja indignado, a esperança e os planos persistem. A aldeia vislumbra uma maior área de no mínimo 10.000 hectares, que será 50% reflorestada. Para este local há planos de construção de uma aldeia, nos moldes de 500 anos atrás, e que fará parte do turismo paranaense, e onde os Guarani, possam preservar a sua identidade, mostrando sua cultura, vendendo os seus produtos diretamente aos visitantes. A idéia inclui também a criação de um museu Guarani Nhandeva.
Para a educação das crianças, os planos são de construção de uma escola modelo que atenderá desde a creche até o ensino médio. Há planos também para a construção de uma escola técnica que possibilite a capacitação de mão de obra jovem e uma escola que se dedicará exclusivamente para ensinar o idioma Gua-rani Nhandeva.

Todos esses planos, simples e viáveis, passam a serem arrojados levando-se em consideração o descaso dos órgãos governamentais responsáveis pelas questões indígenas e ambientais, assim como das autoridades locais. Esse povo já demonstrou que foi capaz de viver de maneira sustentável por 500 anos, mas não pode garantir que resistirá a mais 500 anos de descaso, corrupção e hipocrisia.

Mas essa história ainda pode ser mudada. Se você se sensibilizou com a situação dos Ava-Guarani do Oco’y e quiser ajudar a reverter essa situação degradante, há duas maneiras de participar:
Enviar uma contribuição (qualquer quantia) para a Associação Comunitária Indígena Ocoy – ACICO, no Banco do Brasil, agência 1357-9 (São Miguel do Iguaçú – PR), conta corrente no. 5991-9.

Repassar esse email aos órgãos competentes, instituições, ONGs, imprensa, amigos e parentes.

Manifeste sua indignação e cobre providências.

Já que está tão em moda a preocupação com a preservação da biodiversidade, da qualidade do ar, da temperatura da água... porque então não há interesse na preservação de vidas humanas?

(Texto de Heitor Kaiová Karaí Awa-Ruvitcha e Ana Kristina)

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