domingo, 4 de janeiro de 2009

18 Condições para a Demarcação de Novas Terras Indígenas

Para os que ainda não sabiam quais eram as 18 emendas no projeto para a demarcação das terras indígenas em Raposa Serra do Sol, aí vão (tiradas do Blog do Mércio Pereira Gomes - http://merciogomes.blogspot.com/ ):
 
 
 
18 condições para a demarcação de novas terras indígenas, segundo o voto do ministro Menezes Direito


1 - O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o interesse público da União na forma de Lei Complementar;

2 - O usufruto dos índios não abrange a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;

3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;

4 - O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, de ser obtida a permissão da lavra garimpeira;

5 - O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

6 - A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

7 - O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;

8 - O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;

10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração;

11 - Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;

12 - O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

13 - A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;

14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;

15 - É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;

16 - Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;

17 - É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

18 - Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.

VOZES

Esse texto foi enviado anteriormente a Juvenal Payayá como uma resposta ao seu questionamento ("O que fazer?"). Repasso-o, atualizado (retirando as referências pessoais), porque assim expresso minha opinião de maneira que todos possam ouvir a minha "voz".

Ana Kristina

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Não sou uma pessoa de grandes conhecimentos sobre movimentos políticos e sociais, mas com uma sabedoria dada pelo senso comum, não aceito nada de graça e, por isso, questiono.

Vou alinhar meus pensamentos em tópicos (isso me ajuda)

1. Vozes de todos

A primeira coisa que devemos fazer é nos manifestar publicamente. Isso não é uma ordem de comando para que todos saiam às ruas batendo panelas e atrapalhando o trânsito. A ideia é aproveitar todos os espaços que nos são disponibilizados para expressar a nossa indignação. Por exemplo, em quem você votou na última eleição? Está satisfeito? Se não, então escreva para o seu candidato, agora eleito, e cobre! Pergunte o que ele tem feito pelos povos indígenas. Todos os políticos tem sites pessoais ou do partido, sem falar nos sites oficiais do governo. Em todos eles há um “fale conosco” ou “contato”.

Para os que não tem internet, os Correios costumava ter um formulário pronto para a Câmara dos Deputados. É preciso checar se esse serviço ainda está funcionando.

Acredito em fenômenos sociais e acho que seu um número significativo de emails e cartas começar a chegar até esses políticos vai acabar por chamar a atenção, principalmente da imprensa.

Outro espaço são os jornais. Os online normalmente oferecem a opção de comentários dos leitores. Nesses espaços também é possível a manifestação. Mesmo não sendo a notícia exatamente sobre a questão indígena, às vezes dá para “pegar o gancho” e falar sobre isso.
Mas o mais importante está no segundo tópico.


2. Vozes indígenas

Todos deveriam se manifestar, índios e não índios, porque se trata de uma questão de antes de ser uma questão racial ou territorial. Mas todo esse clamor ganharia muito mais em legitimidade se houvesse uma significativa participação dos próprios indígenas.

É bonito ver os Juruá (não-índio em Guarani) se preocupando com as causas indígenas. Sinaliza solidariedade entre os povos. Mas a verdade é que as autoridades não dão tanto valor a isso porque sabem que uma boa parte das “vozes Juruá” se levantam por modismo, por autopromoção , interesses econômicos ou religiosos, enfim, pouquíssimos estão realmente dispostos a arregaçar as mangas.

Alguns movimentos nesse sentido estão sendo criados. O Índios Online é um dos mais fantásticos canais de manifestação indígena. Foi realmente uma idéia de gênio e precisa ser mais divulgado. O programa do Arco Digital também foi uma grande idéia pois contempla a inclusão do índio no mundo digital – e isso o possibilitaria aumentar o alcance de sua “voz”.

Anakris

sábado, 3 de janeiro de 2009

Petição em favor dos Guarani Kaiowá

 
Amigos,

 

Vamos lá tentar fazer algo pelos Guarani Kaiowá de Dourados.  Por favor assinem a petição no link abaixo

 

http://www.petitiononline.com/fian123/petition.html

 

Só há até agora 195 assinaturas e mais da metade é de estrangeiros! 

 

Então, "chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor"!

 

Beijos de pura energia no coração de todos.

 

 

Ana Kristina

Grupo de Apoio Coração e Espírito Indígena

domingo, 28 de dezembro de 2008

Yakuy Tupinambá - um exemplo a ser seguido

Yakuy,

A quem ouso chamar de irmã, mesmo sabendo que um longo caminho te coloca à frente de mim.  Estava hoje vendo suas fotos no Orkut e me emocionei.  Ando um pouco mais sensível do que o normal nesses dias e, talvez também influenciada pelo livro da outra irmã Liana Utinguassú, resolvi te escrever o que me ia na alma.  Você sabe o quanto te admiro não é de hoje, portanto também sabe que as minhas palavras são verdadeiras.

Eu ando um pouco triste com algumas facetas desse nosso Movimento Indígena. Vejo índios querendo ser brancos. Querendo fama, notoriedade (e dinheiro) só para si, ao melhor estilo capitalista, usando as suas raízes como meio de conseguí-los.  Quando concitamos a ajuda desses índios, exatamente pela exposição que têm na mídia, pela fama de seu nome, eles declinam. Falam nos Povos da Terra como uma homenagem aos ancestrais que ficaram longe na história, mas não se envolvem com questões práticas vividas pelas comunidades de hoje. Dadas as dificuldades por que passam, entendo essa posição, embora ache falta de maturidade, pois o brilho de uma pessoa é facilmente apagado, mas o brilho de um povo permanece sempre.

E isso contrasta com pessoas como você. Mulher, guerreira, esposa, mãe, avó, que cuidou de sua família e ainda encontrou forças para voltar a estudar para defender o seu povo e hoje representá-lo nas terras dos invasores.  Você é um exemplo a ser seguido. Por isso copio aqui também a lista de Literatura Indígena e a Heitor Kaiová Karaí Awa-ruvitxa para que ele poste este comentário também em sua lista.

Te desejo um Ano Novo pleno de realizações. Que você tenha muitas conquistas nas suas empreitadas, nos seus ideais. Te desejo também muita saúde para viver tudo isso e muita paz e tranqüilidade na vida pessoal.

Yakuy, minha irmã, você é o meu exemplo.

Beijos no coração.

Ana Kristina

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Escolas de Santa Catarina vão receber livros em guarani em 2009

Escolas de Santa Catarina vão receber livros em guarani em 2009

Mais de 420 mil estudantes devem tomar contato com a cultura indígena.
1.323 instituições receberão o material didático.

Do G1, em São Paulo


Capa do livro de guarani (Foto: Reprodução/0svaldo Nocetti)

As escolas da rede estadual de Santa Catarina vão receber em 2009 livros ilustrados e escritos em guarani e português. Ao todo, 1.323 instituições vão levar o material para suas bibliotecas. Também ganham as obras cerca de 3 mil estudantes de 31 unidades escolares das etnias guarani, xokleng e kaigang.

Segundo a Secretaria da Educação do estado, o livro foi produzido por professores durante uma das etapas de um curso de formação guarani. A intenção é ajudar o trabalho pedagógico dos educadores do ensino fundamental. Cerca de 420 mil estudantes poderão ter acesso à cultura indígena.

O livro tem o nome de "Mbya Reko", que quer dizer "Vida Guarani", e vai ajudar o professor a planejar as aulas, criando jogos, teatro, música e até mesmo atividades virtuais. O material traz também entrevistas com caciques e outros integrantes das aldeias, construção de mapas e comparações entre as culturas.

Entre as temáticas se destacam: arte, música e dança; relação com a natureza; espiritualidade; história do povo guarani; rituais e crenças; alimentos e ervas medicinais; territorialidade e o mundo na visão do povo guarani.

 

Foto: Reprodução/0svaldo Nocetti

Ilustração no livro de guarani (Foto: Reprodução/0svaldo Nocetti)

"Conhecer o modo de ser da cultura guarani, estabelecer relações da forma de vida entre esse povo e o branco; perceber a presença indígena no passado, presente e futuro, também são objetivos do material didático", afirma o diretor de Educação Básica de Santa Catarina, Antônio Elízio Pazeto. Ele explica que o material didático elaborado pelos professores Guarani de Santa Catarina segue as diretrizes do Ministério da Educação (MEC).

A publicação é da Secretaria da Educação e pela Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Mentiras e verdades sobre Raposa Serra do Sol

Excelente artigo!!!
 
Paz a todos,
Ana Kristina
 
 

Enviado por Rodrigo Taves -
9/12/2008
12:42

Mentiras e verdades sobre Raposa Serra do Sol

 

Rodrigo Taves

Com o conhecimento de causa de quem já esteve algumas vezes em Raposa Serra do Sol e conhece bem a geografia do conflito, posso afirmar algumas coisas a vocês: alguns argumentos usados no debate não passam de mentiras, falácias, empregadas até por autoridades e pessoas importantes no estado _ como o governador José de Anchieta Júnior, um defensor intransigente dos arrozeiros _ com o exclusivo intuito de enganar quem não conhece de perto o que está em jogo.

A mentira mais grave é a de que a expulsão dos fazendeiros que produzem arroz nas terras indígenas e a destinação de toda a área da reserva exclusivamente aos índios acarretaria algum problema de segurança nacional, por ser aquela uma área de fronteira com Venezuela e Guiana.

1) A área de fronteira já é (e sempre foi) ocupada pelos índios em Raposa Serra do Sol. Os arrozeiros estão do outro lado da reserva, mais próximos à capital, Boa Vista, ocupando ilegalmente as margens dos rios da reserva, de onde tiram (sem licença ambiental) a água que irriga suas plantações. A área da reserva é imensa. Os arrozeiros não estão nem aí para o que acontece na fronteira.

2) O fato de a reserva pertencer apenas aos índios (com a consequente expulsão dos arrozeiros) não muda em nada a situação jurídica da região: a terra continua sendo da União e os militares das Forças Armadas têm acesso irrestrito a elas em qualquer momento, em qualquer situação. Problemas na fronteira, se existem, são causados pela irrisória presença de efetivo militar nos postos e pelotões de fronteira, e no fato de esses postos existirem em muito menor número do que o necessário para vigiar todos os pontos de acesso ao território nacional pela imensa fronteira seca do país.

3) Os índios yanomâmi ocupam _ há dezenas de anos, saibam _ uma área muito maior (mas muito maior mesmo) que Raposa Serra do Sol, no lado oeste do estado, exatamente na faixa de fronteira com a Venezuela. A situação dos yanomâmi está consolidada há anos e lá não se vê generais do Exército reclamarem do risco à soberania nacional. E sabem por que? Porque lá os arrozeiros nunca tiveram interessem em se fixar, por ser uma região mais inóspita, sem grandes e caudalosos rios dos quais eles possam tirar água para irrigar suas plantações.

4) A área dos yanomâmis (assim como Raposa Serra do Sol e outras áreas índigenas na fronteira, tanto em Roraima quanto no Amazonas e em Rondônia) tem postos de fronteira do Exército, e só não tem mais porque o Exército não quer (ou não pode). A convivência entre índios e militares é tranqüila e pacífica em toda a faixa de fronteira da Amazônia, exceto pelos momentos em que alguns soldados e sargentos cometeram violências sexuais contra as indiazinhas que vivem perto dos pelotões. Ou seja, nos momentos em que ocorreram problemas, os índios eram sempre vítimas, nunca agiram para prejudicar a segurança nacional. Para os que não conhecem, posso afirmar: os índios são pobres, miseráveis, tão indefesos quanto os pobres brancos, mulatos e negros que habitam nossas favelas na cidade grande. A área dos yanomâmi entra pelo território venezuelano a dentro, e a convivência é tranqüila. Não há índios acusados de tráfico de drogas ou de armas. São os traficantes que passam pelo território deles _ com o conhecimento das Forças Armadas e da PF, que não têm dinheiro para montar a infra-estrutura necessária para coibir os crimes. Os índios não têm culpa disso, e sofrem vendo alguns de seus integrantes serem aliciados para os crimes, assim como os brancos são em todas as grandes cidades do país.

 A segunda grande mentira é a de que há divisão entre os índios sobre se querem a demarcação em área contínua ou em ilhas (em outras palavras, mais claras para quem tenta entender o problema de longe: se deixam os arrozeiros na área ou se eles saem).  Mais uma vez, posso afirmar com o conhecimento de quem rodou toda a reserva sozinho, observando e conversando com todos: em Raposa Serra do Sol há uma imensa maioria de índios minimamente organizados pelo CIR (Conselho Indigenista de Roraima) e uma pequena parte dos índios claramente influenciada pelo poder econônico dos arrozeiros. Muitos desses que são contra a expulsão dos arrozeiros trabalham ou já trabalharam em suas enormes fazendas, foram assalariados, sustentados pelos arrozeiros, e têm promessas de voltar a se-lo, se as fazendas de arroz puderem permanecer na região.

Mais uma vez, insisto: só o que está em jogo em Raposa é se os grandes arrozeiros podem ficar na área ou se serão expulsos. São grandes fazendeiros numa área de índios pobres, que vivem de sua agricultura de subsistência. Um dia já houve grandes áreas de garimpo na reserva (como, de resto, em outras áreas da Amazônia), mas a produção era controlada por brancos, que enriqueceram e empobreceram na reserva.  Os índios entram nessa história como coadjuvantes, quase sempre aliciados para fazer o trabalho pesado para arrozeiros, garimpeiros e outros interessados na exploração econômica da reserva.

Neste ponto, entra a terceira mentira da história: a de que há grupos estrangeiros interessados em ocupar o território da reserva para explorar as nossas riquezas mineirais, o petróleo, o ouro e os diamantes que possa haver naquelas terras. Gente, a propriedade é demarcada e homologada para uso exclusivo dos índios, mas continua sendo da União. Só pode entrar na área e explorar a área, além dos índios, quem o governo brasileiro autorizar. Quem entrar lá sem autorização precisa ser expulso, e o Brasil continuará tendo autonomia para isso. Repito: o Exército só não expulsa hoje, só permite garimpos ilegais, tráfico de drogas, presença de guerrilheiros das Farc e outros crimes porque não tem estrutura para coibir _ e isso não tem nada a ver com os índios, e sim com as dificuldades e incompetências do próprio país.

A questão de fundo é apenas uma: o governo, num determinado momento da história (trinta, quarenta, cinquenta anos atrás), permitiu que brancos se arvorassem donos de terras da União dentro de uma área habitada apenas por índios. Os brancos foram se aventurar nessas regiões distantes porque viam nas áreas potencial para exploração comercial. No caso de Raposa, viam os rios de onde podiam tirar a água e os campos férteis para as grandes produções de arroz. Há outras regiões do país _ dentro ou fora de áreas índígenas, é bom que se diga _ que latifundiários brancos grilaram, ocuparam, dominaram, sob o poder das armas ou em conluio com donos de cartório inescrupulosos. Ou alguém desconhece os problemas de pistolagem e grilagem de terras no Pará, em Mato Grosso, no Tocantins, no Maranhão...

Pois bem, a questão é apenas esta: esses brancos que se arvoraram donos de terras da União (dentro de Raposa Serra do Sol ou fora de lá) têm direito constituído porque seus crimes foram cometidos há trinta ou cinquenta anos? Se têm, que os arrozeiros permaneçam na área indígena de Raposa Serra do Sol. É verdade que eles produzem imensas quantidades de arroz, e que, num estado pobre como Roraima, essa riqueza faz diferença. E é só por isso _ repito, mais uma vez: apenas por motivos econômicos _ que eles têm o apoio da elite do estado, do governador, dos deputados e dos empresários. É fato que a produção de arroz responde por 6% do PIB do estado.  Mas a questão é: a produção é tirada de uma terra grilada ou ocupada irregularmente por brancos no passado. Se os arrozeiros saírem, as terras voltam na íntegra às mãos dos índios, que continuarão com sua vida tranqüila, solitária e miserável, com sua agricultura de subsistência, com sua desimportância econômica, pelo menos sob a ótica comercial dos brancos. O PIB de Roraima de fato vai encolher. Mas é isso que as autoridades de Roraima têm de falar às claras, têm de botar no centro do debate, e não ficar falando de ameaça à soberania nacional, ora bolas!

Vale a pena fazer vistas grossas à grilagem, à pistolagem, à ocupação irregular de terras públicas em nome do desenvolvimento econômico, da produção estabelecida, do fortalecimento econômico? Ou é melhor perder 6% do PIB do estado mas manter a ordem, a legalidade, reparar as injustiças e as irregularidades do passado. É isso que está em jogo com a decisão de amanhã do STF. Não caiam nesse argumento de ameaças à soberania nacional, de problemas para a segurança de nossas fronteiras e outras baboseiras como essas, faladas com o único intuito de ludribiar a boa fé de quem não conhece a questão de perto. Nada disso é verdade.

E outra coisa: para os que acham que é possível, para o futuro, encontrar uma forma de convivência pacífica entre índios e arrozeiros em Raposa Serra do Sol, posso garantir que não é. As tropas da PF e do Exército podem manter a paz por um mês, seis meses, um ano. Quando os soldados forem embora,  índios e arrozeiros vão voltar às vias de fato. Os episódios de violência do passado _ recente e remoto _ deixaram marcas (mágoas, ódios, ressentimentos) que jamais serão apagadas. A convivência é absolutamente impossível. A paz só voltará em Raposa Serra do Sol quando os arrozeiros _ todos eles gaúchos, paranaenses, de outros estados _  estiverem bem longe dali. Não se descarta um ato de vingança, é claro, mas o interesse daqueles homens nas terras é apenas econômico. Se forem expulsos de uma área que nunca foi deles, partirão para encontrar outras terras que possam grilar ou comprar baratinho, com o objetivo de retomar a produção. A vingaça passaria a ser único motivo para eles voltarem ao nordeste de Roraima. Só assim Raposa Serra do Sol talvez venha a ter paz.

Por isso, peço aos ministros do STF: façam o que têm de ser feito agora, sigam o relatório do ministro Ayres Britto, que foi primoroso em seus argumentos jurídicos. Tomem agora a decisão mais dura e radical de retirar os poderosos produtores de arroz para tentar resolver os problemas em Raposa Serra do Sol de uma vez por todas, sem criar inúmeros outros problemas em terras indígenas espalhadas por todo o território nacional. Lembrem que problemas iguais ou parecidos com esses foram vividos em outras reservas indígenas, de outros estados, e elas sempre foram demarcadas de forma contínua, criando uma situação de fato que impediu o recrudescimento da violência. Uma coisa é certa: se o STF não determinar a saída dos arrozeiros, Raposa Serra do Sol será uma reserva destinada a jamais conhecer a paz. 

 

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Nota da Conectas Direitos Humanos sobre a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Na primeira sessão do julgamento da Petição 3888 sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal, ocorrida em 27 de agosto de 2008, o Ministro relator da ação, Carlos Ayres Britto, em seu voto, levantou o debate sobre a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em setembro de 2007 pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU. O julgamento da ação foi suspenso devido ao pedido de vista dos autos formulado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito que, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo em 29 de agosto, poderá utilizar a Declaração da ONU para contestar a forma de demarcação contínua das terras indígenas.

O principal ponto da polêmica instaurada em relação à Declaração da ONU é que esta possibilitaria a criação de “uma nação indígena soberana dentro dos Estados signatários”. Não obstante, uma leitura integral do texto da Declaração e uma interpretação dentro do contexto de sua elaboração afastam esta interpretação equivocada. Além disso, não é demais lembrar que a Declaração da ONU, por não ser tratado, não possui caráter cogente e, de forma alguma, poderia modificar a Constituição brasileira.

A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas tem a característica peculiar de ter contado com a participação efetiva dos detentores dos direitos - os povos indígenas - em sua elaboração, cujo processo levou mais de 25 anos. Foi finalmente aprovada na Assembléia Geral da ONU em 13 de setembro de 2007, tendo 143 países votado a favor da Declaração, entre eles o Brasil, 4 contra e 11 abstenções.

Durante o processo de elaboração da Declaração, alguns pontos sensíveis foram levantados, entre os quais a questão da autodeterminação dos povos indígenas. Assim, especial esforço foi realizado pelas partes envolvidas para atingir um consenso em relação às questões controvertidas.

Especialmente no que se refere à autodeterminação, o texto final adotado pela ONU esclarece ser o direito à autodeterminação compatível com o princípio da integridade territorial e com a unidade nacional, não podendo este direito ser interpretado no sentido de permitir a secessão dos povos indígenas de seus países de residência, dos quais são nacionais. O texto da Declaração é expresso neste sentido:

Artigo 461. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no sentido de conferir a um Estado, povo, grupo ou pessoa qualquer direito de participar de uma atividade ou de realizar um ato contrário à Carta das Nações Unidas ou será entendido no sentido de autorizar ou de fomentar qualquer ação direcionada a desmembrar ou a reduzir, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes. (grifo nosso)

Diversos países fizeram declaração de voto após a adoção da Declaração pela Assembléia Geral, explicitando em suas declarações que votaram em favor da aprovação do documento, uma vez que o texto final esclareceu a questão da autodeterminação anteriormente levantada como um problema por diversos Estados. Em sua declaração de voto, o Brasil ressaltou que o exercício dos direitos dos povos indígenas é consistente com a soberania e a integridade territorial do Estado em que eles residem.

Desta forma, o direito à autodeterminação deve ser interpretado como um direito à autonomia e autogoverno em relação a temas que dizem respeito a assuntos locais e internos das terras indígenas – como disposto no artigo 4 da Declaração. Interpretar este direito como uma possibilidade de criação de uma “nação autônoma dentro do Brasil”, significa desconsiderar 25 anos de árduo processo de negociação e elaboração da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, cujo texto final foi aprovado na Assembléia Geral após amplo debate no sentido de que o direito à autodeterminação não pode ser interpretado contra a soberania e integridade territorial dos Estados.

Pior, utilizar esta interpretação equivocada contra o direito de demarcação das terras indígenas de forma contínua significaria, além de um enorme retrocesso, uma grave violação dos direitos humanos dos índios, na medida em que a continuidade territorial é essencial para a preservação de sua cultura, organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, conforme estabelece não apenas a Declaração da ONU, mas também a nossa Constituição Federal.

Oscar Vilhena Vieira, Diretor Jurídico
Marcela Cristina Fogaça Vieira, advogada


Data de publicação:
28/10/2008
Fonte:
Conectas Direitos Humanos

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Roraima - Ìndios querem terra de volta





 

 

Segunda, 8 de dezembro de 2008, 10h42

RR: vamos tomar nossa terra de volta, diz Conselho Indígena

Cyneida Correia
Direto de Boa Vista

O Coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza, afirmou que os indígenas podem acampar onde quiserem dentro da Raposa Serra do Sol. O produtor de arroz e prefeito derrotado de Pacaraima, Paulo César Quartieiro, deu uma entrevista afirmando que se eles entrassem em sua propriedade seriam recebidos "a bala". "A terra é nossa. Eu vou estar na Raposa assistindo o julgamento. Será demarcado em área contínua e a Polícia Federal vai logo tirar ele de lá e nós vamos ocupar nossa terra imediatamente porque já esperamos demais", disse.

» Tensão cresce antes de decisão do STF
» Relator sugere demarcação contínua
» Exército poderá mediar conflito

Para Dionito, a lei e a autoridade estão do lado dos índios. "A terra é nossa, demarcada, homologada e registrada. Ele invadiu nossa terra e nós vamos tomar de volta, pois estamos na nossa casa. Já esperamos muito", declarou, não descartando a possibilidade de invasão da fazenda.

Mais de 300 índios se reuniram em frente à fazenda Depósito, pertencente a Quartiero. A denúncia foi feita pelo arrozeiro na manhã de sábado. Ele vai assistir ao julgamento da Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal (STF), que acontece no dia 10, a convite da Associação de Agricultores do Mato Grosso.

"Estamos na expectativa desse julgamento. Eu fui convocado pela Associação de Produtores Rurais, porque dependendo do resultado vamos montar estratégias para continuar a luta. O consenso é que vamos reagir", explicou.

Quartiero afirmou que, se os indígenas tentarem entrar em sua fazenda, vão sofrer as conseqüências. "Eu estive na Polícia Federal e comuniquei que eles estão se amontoando em frente a minha fazenda e no Surumu. Eu comuniquei que já autorizei meu pessoal que se tentarem invadir serão recebidos a bala", disse.

Para o agricultor, os índios se organizaram porque pretendem invadir e queimar toda a fazenda se o Supremo mantiver a decretação da área indígena em contínua.

"Se tentarem invadir minha propriedade, serão rechaçados. Não posso impedir que queimem e quebrem tudo, mas com certeza essa invasão vai sair muito cara para eles", disse.

(Reportagem tirada do Portal Terra)


segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Realidade dos kaiowás é pior do que a ficção


Eu havia postado essa notícia como comentário, mas agora localizei as imagens registradas pelo Toninho Viegas, repórter cinematográfico do Correio do Estado (MS) que corrobora na opinião do jornalista.



Realidade dos kaiowás é pior do que a ficção

"Uma das maiores forças do filme 'Terra Vermelha', de Marco Bechis, é fazerum retrato ficcional da situação dos kaiowás sem quase nada exagerar ouexcluir da realidade. Bechis nos deu suicídios, a tragédia pela qual oskaiowás eram mais conhecidos até pouco tempo atrás. Mas poupou-nos deoutras cenas chocantes do cotidiano do grupo, como a de índios revirando olixão de Dourados e a das mortes de dezenas de bebês por desnutrição. Quemdiz que há muita terra para pouco índio no Brasil deveria passear pelo sulde MS, onde um território tradicional de mais de 6 milhões de hectares foiretalhado em 'ilhas' com no máximo algumas centenas de hectares cada uma.Nelas espremem-se 30 mil índios de dois grupos guaranis (kaiowás eñandevas). Resta aos kaiowás venderem sua força de trabalho comobóias-frias, empregadas domésticas ou peões de fazenda".

artigo de Claudio Angelo - FSP, 28/11, Ilustrada, p.E6.




Infecção por HIV atinge índios no país

ATENÇÃO - o assunto é muito sério.  Essa informação precisa ser disseminada entre as lideranças para que cada líder possa acompanhar isso mais de perto.
 
Ao receber o Prêmio Nobel de Medicina deste ano por ser um dos responsáveis pelo isolamento do vírus das Aids, o pesquisador francês Luc Montagnier chamou a atenção para a questão da disseminação da doença entre os índios brasileiros. Segundo o cientista, o programa brasileiro de combate a Aids é muito bom, mas não alcançaria as pessoas "fora do circuito", ou seja, grupos como os índios. A Funasa garante que, dos cerca de 500 mil índios do país, menos de 200 seriam soropositivos. Segundo a Funasa, todos os portadores do vírus HIV identificados entre os índios brasileiros recebem o mesmo tratamento dispensado ao restante da população - O Globo, 30/11, Ciência, p.45.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Índios acusam militares de tortura no Amazonas

27/11/2008 - 09h14
da Folha Online

O Ministério Público Federal do Amazonas investiga denúncias de tortura contra índios praticada por militares brasileiros na fronteira com a Colômbia, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), na terra indígena Alto Rio Negro, informa nesta quinta-feira reportagem de Breno Costa, publicada pela Folha (a íntegra está disponível apenas para assinantes do jornal e do UOL).

Segundo a reportagem, o inquérito civil público foi instaurado no último dia 20 de outubro e apura denúncias de que um grupo de sete militares lotados no 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira) torturou 12 jovens indígenas nas dependências do pelotão, em setembro do ano passado.

A acusação é da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), que representa 23 povos indígenas, e tem como base relatos de índios kuripakos das comunidades São Joaquim e Warirambã, localizadas a 320 km (quatro dias de barco) da área urbana de São Gabriel da Cachoeira.

Outro lado

O CMA (Comando Militar da Amazônia) informou, em nota oficial, que uma sindicância foi instaurada para apurar as denúncias dos indígenas e que, após concluída, a investigação interna não identificou "qualquer ato delituoso por parte de militares" do 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira). A sindicância foi aberta em junho deste ano, segundo o CMA.

No final da nota, assinada pela Seção de Comunicação Social do CMA, o Exército afirma que "caso sejam confirmadas quaisquer denúncias envolvendo militares do Exército, não hesitaremos em colaborar para fazer valer as sanções legais que se fizerem necessárias".

A nota diz que os generais João Carlos de Jesus Corrêa e Ivan Carlos Weber Rosas, respectivamente chefe do Estado Maior do CMA e comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, foram à comunidade São Joaquim e que "foi observado um excelente relacionamento entre a comunidade e os integrantes do 3º PEF".

Leia mais na Folha desta quinta-feira, que já está nas bancas.

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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Violência contra índios é tema do filme Terra Vermelha

Violência contra índios é tema do filme Terra Vermelha
[24/11/2008 12:19]
 
Em tempos de acirramento da disputa por terras entre fazendeiros e índios Guarani no Mato Grosso do Sul, Terra Vermelha, do diretor ítalo-chileno Marco Bechi, é uma boa surpresa. Foi escolhido para a abrir a 23ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e está previsto para entrar em circuito comercial no dia 28 de novembro, sexta-feira próxima.
 

O filme Terra Vermelha do diretor ítalo-chileno Marco Bechi, se passa na região de Dourados (MS) e retrata, em forma de ficção, o choque de distintas visões de mundo envolvidas na situação de conflito e violência em que vivem indígenas e fazendeiros.

Além dos atores não-índios, Terra Vermelha é protagonizado pelos Guarani e é quase todo falado em sua língua Os indígenas se revelam grandes atores, interpretando com uma naturalidade que impressiona.

A co-produção Itália Brasil traz um olhar distanciado do polêmico conflito entre proprietários rurais e indígenas, conseguindo construir personagens complexos, que escapam de maniqueísmos simplificadores e, assim, encara a questão com suas particularidades e contradições. Outra qualidade de Terra Vermelha é a maneira como consegue adentrar no universo dos Guarani Kaiowá, sem estigmatizar ou tentar formar uma visão romântica do índio. O filme mostra como os Kaiowá mantém seus rituais, suas crenças e uma relação diferenciada com o mundo, apesar de conviverem há tantos anos e de maneira intensa com a cultura ocidental. Apesar de andarem vestidos como brancos e incorporarem alguns de nossos hábitos, se diferenciam por sua concepção peculiar sobre a terra e seus usos, concepção essa que se mantêm, apesar da enorme pressão exercida sobre sua cultura.

Birdwatchers, como é chamado no original em referência aos turistas estrangeiros que viajam para a Amazônia em busca de paisagens, animais e gentes exóticas, aproveita para polemizar esta fantasia, nutrida tanto fora como dentro do Brasil, dos indígenas como seres primitivos. O filme, que chamou a atenção de público e crítica no Festival de Veneza, foi escolhido para abrir a 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e está previsto para entrar em cartaz no dia 28 de novembro.

Terra Vermelha desempenha papel crucial ao chamar atenção para a situação extremamente delicada em que vivem os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Confinados em Terras Indígenas que se tornaram muito pequenas para a quantidade de habitantes que abrigam, enfrentam índices de suicídio e alcoolismo cada vez maiores, o que demonstra a pressão e a falta de perspectiva em que se encontram. Sem terra e vítimas de violência e discriminação intensa, os indígenas apenas sobrevivem das cestas básicas distribuídas pelo governo, pois além de não ter espaço para plantar, os animais que caçavam estão acabando e os rios estão cada vez mais poluídos pelos insumos agrícolas utilizados pelos fazendeiros da região. Muitas vezes, para poderem ter o que comer, aceitam trabalhos em condições precárias, que os obrigam a ficar dias longe da família e os impedem de viver segundo seus costumes tradicionais.

Ao retratar esta realidade tão pouco conhecida pelos brasileiros que vivem nos grandes centros urbanos, o filme permite que o espectador se aproxime um pouco mais da problemática indígena e se sensibilize, ampliando a possibilidade de debate e a reflexão sobre tão complexa situação.

 

ISA, Julia Trujillo Miras Costa e Rogerio Duarte do Pateo.

Literatura indígena: expressão de uma realidade no Flifloresta - Texto de Graça Graúna

Mesa temática: os índios na Amazônia - dominação e reconhecimento
Na floresta de saberes em que nos encontramos, não parece exagero afirmar que somos um pequeno e atrevido grupo de escritores e escritoras em busca de editor e consequentemente em busca de um lugar nas prateleiras de livrarias e desejosos também de habitar a estante de alguma casa deste país ou de qualquer lugar do mundo. Participaram desse encontro em torno da literatura indígena: Daniel Munduruku, Álvaro Tukano, Ely Macuxi, Cristino Peteira Wapixana, Lucio Flores Terena, Yaguarê Yamã, Eliane Potiguara, Manuel Moura Tucano, Kiara Apurina, Carlos Thiago e eu, Graça Graúna. Cabe destacar a apresentação da cantora Cláudia Tikuna e do grupo de música e dança dos Saterê-Maué que entoaram deus cantos, mostrando a riqueza das nossas tradições.Essa ilustre desconhecida que é também a Literatura Indígena contemporânea no Brasil configura a sagração de cada momento em que escritores e artistas de diferentes nações indígenas atravessaram rios, pegaram estradas (em ônibus, trem e metrô) e cruzaram céus para participarem do I Encontro de Escritores Indígenas na região amazônica. Como se não bastasse, alguns dos nossos parentes até sobreviveram aos descasos de hospitais públicos para estarem aqui, apostando na vida que brota também da literatura; refiro-me ao Moura Tucano, um dos líderes do movimento presentes ao encontro e que em nome dos escritores indígenas, homenageou Maroaga, cacique legendário dos waimiri-atroari que resistiu até a morte contra a invasão das suas terras. Este é apenas um pedaço da realidade e apesar dos preconceitos literários, compartilhamos da celebração. Aqui estamos, distendendo as asas dos sonhos, nossos sonhos, para expor em prosa, em verso e outras formas de manifestação artística as experiências, as vivências e vidências oriundas de seculares tradições, nossas tradições indígenas. Existem poucos livros de literatura indígena no mercado editorial. Dizer isto não significa adotar uma postura pessimista, considerando que somos co-autores de um repertório milenar. Este é um fato que os jornais não contam e quando falam da nossa existência na cena literária brasileira, confundem a nossa arte como sendo algo folclorizado. Isto quer dizer também que ainda não nos livramos da visão etnocêntrica que nos sufoca há mais de 500 anos. São poucos os livros que atestam a nossa existência literária, mas é notória a grande quantidade de leitores desejosos de conhecer mais de perto o que pensamos, como vivemos, como lutamos, como sonhamos e porque escrevemos.A nossa literatura é fruto de séculos e séculos de história, memória e resistência; uma literatura revisitada, contada, recitada pelos parentes nas pequenas e grandes aldeias, no quintal de nossas casas e até mesmo nas margens de um igarapé. Os saberes ancestrais são a nossa referência; a força da nossa escrita reside na tradição oral: uma grande coadjuvante no contexto do patrimônio cultural brasileiro. Outras referências nos aproximam, a começar pelo gosto de reunir a família e contar das andanças, dos perigos e sortilégios no seio da floresta ou em meio ao ruge-ruge das cidades grandes. Há muito ainda por dizer, por fazer. Por enquanto, cabe perguntar: qual o lugar da literatura indígena neste vasto mundo? Refletir a esse respeito é uma das maneiras de cumprir a nossa missão que é, dentre outras, fazer a leitura do mundo como sugeriu Paulo Freire. Ler e intuir, para não esquecer que “a intuição é mensageira da alma” como afirma Eliane Potiguara. Assim, também intuímos de Ana Froes do Nascimento, uma pensadora Kaingang, que por meio da leitura do mundo, do nosso mundo, multiplicamos o cereal plantado. Que assim seja e para saber mais a respeito do que escrevemos, basta um gesto simples que começa por um desejo: fazer parte da “teia da vida”, como dizem os nossos sábios. E não poderia ser diferente, pois o mundo é de todos e nesse universo cabe a beleza e a inteligência indígenas. Uma coisa é certa: a literatura nos une e é pelo direito de sonhar que estamos todos aqui.

Graça Graúna

domingo, 23 de novembro de 2008

Os Guarani no Festival de Brasilia

Os Guarani no Festival de Brasília

 

Do Distrito Federal, veio o quarto longa-metragem em competição no Festival de Brasília: "Nãnde Guarani (Nós Guarani)", de André Luís da Cunha. O filme é um documentário que retrata, com entrevistas, o cotidiano dos Guarani, com destaque para sua luta pelo direito a suas terras. Talvez por se tratar de um longa daqui, talvez pela pertinência de seu tema, o longa foi bastante aplaudido em sua sessão oficial, neste sábado, no Cine Brasília.

"Nãnde Guarani" nasceu do objetivo de auxiliar os Guarani em processos que se desenrolam na Justiça brasileira. Com estrutura de filme antropológico e narrativa simples, em que se alternam entrevistas com imagens cotidianas das aldeias, o documentário mostra os problemas dos índios Guarani, não apenas no Brasil, mas também em países como Argentina e Paraguai. As muitas ligações culturais entre
as tribos localizadas em nações distintas, a começar pelo idioma, sugere a necessidade de uma grande reserva na América do Sul, independentemente de fronteiras estabelecidas.

- Eu cresci espiritualmente e profissionalmente com o filme. Graças aos Guarani, eu passei a pensar diferentemente sobre a vida – disse o diretor, no palco do Cine Brasília.

Há bons depoimentos no documentário, tanto de índios, quanto de estudiosos do tema. Um antropólogo levanta a questão de que o Mercosul deveria ter a capacidade de conglomerar sociedades que têm relação além das fronteiras. Outro assunto que surge são os suicídios de índios no Mato Grosso do Sul, ponto de partida usado também no argumento de outro filme, a ficção "Terra vermelha", de Marco Bechis, que estréia na sexta-feira.

Com o documentário de Cunha, fica claro que o apego à terra, para os Guarani, tem origens culturais e religiosas, sendo muito mais forte do que os "homens brancos" costumam acreditar. Mas, por seu caráter institucional em defesa dos índios, o filme parece monótono, sem grandes revelações e imagens. A intenção, neste caso, tem bem mais valor do que o resultado.